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Entendendo os conflitos entre mães e filhos

Brigas podem ser amenizadas e oferecem oportunidades de aprendizado

Atualizado em

Um dia, um exame de sangue, um resultado positivo e uma vida se transforma para sempre. Uma mulher tem adicionado à gama de papéis sociais que desempenha – namorada, esposa, filha, tia, madrinha, amiga – o papel de mãe.

Em aproximadamente nove meses ela dará à luz outra vida, e deverá ter todas as respostas para perguntas que nunca lhe fizeram.

Deverá saber decodificar choros e sorrisos, deverá aprender a observar, precisará desenvolver paciência e aceitar o fato de que pelos próximos anos, sua vida girará ao redor de outro ser.

Será meio médica, meio psicóloga, meio professora, e tentará fazê-lo sem nunca perder a compostura.

Deverá amar incondicionalmente a sua cria e esquecer dos próprios fantasmas e carências para dar o melhor de si na criação deste novo ser, que chega ao mundo sob sua responsabilidade. Tudo isso está implícito no papel de mãe.

Mas como e quando surgiu tudo isso?

Algumas pessoas supõem que toda mulher nasce para ser mãe. Aprendemos que todas nascemos com o instinto maternal inscrito em nosso código genético e basta o surgimento de uma gravidez para que aquele instinto seja despertado e, com ele, entre em ação o manual de instruções da boa mãe.

Neste manual encontramos, entre outras coisas, o mito do amor materno, sentimento puro e genuíno, que coloca a mãe acima de todas as coisas, e a leva a colocar o filho acima de todas as coisas.

O mito do amor materno naturaliza e universaliza esse sentimento como inato à natureza humana, rejeitando sua verdadeira essência: a de sentimento humano e, como qualquer outro, incerto e frágil.

O mito da maternidade

Como todo e qualquer mito, este também foi criado por uma necessidade social. Até o século XVIII, as crianças nascidas na França eram entregues pela mãe à ama, que se tornava responsável por sua sobrevivência física, suporte emocional e humanização.

Mas, muitas vezes, a entrega às amas era um “infanticídio” disfarçado: as crianças eram perdidas para sempre e pouquíssimos pais recuperavam seus filhos algum dia.

No final do século XVIII, porém, o Estado percebeu que as crianças eram, potencialmente, uma riqueza econômica, pois, no futuro, movimentariam a economia, gerariam mão de obra e recursos, ajudando o Estado a se afirmar como potência.

Foi neste momento que se instituiu o mito da maternidade como vocação instintiva das mulheres e da mãe como imaculada, sagrada e incondicional.

Com o objetivo de interromper esta entrega das crianças às amas, o Estado criou uma mobilização social utilizando argumentos para convencer as mulheres de que ser mãe é inerente à sua natureza, exaltando os benefícios do exercício da maternidade e os malefícios quando se escolhe não exercê-la.

Criou-se, então, uma ideia de que o exercício da maternidade exige da mulher sacrifício e reclusão, que ela deve desempenhar com amor e bravura.

A natureza da relação entre mãe e filhos

Inegavelmente a relação mais importante para a constituição psicológica do ser humano, a relação entre mãe e filho é, ao contrário do que propagado socialmente e pela mídia, uma relação construída e não inata.

O amor que uma mãe sente por um filho nasce, algumas vezes, quando ela toma conhecimento da gravidez. Já outras, a partir do nascimento, através do cuidado e da convivência com o bebê.

O bebê, por outro lado, nasce geneticamente programado para amar e se apegar a essa figura que cuida dele desde que nasce, seja ela sua mãe biológica, madrinha, ama, babá ou empregada, por exemplo.

O ser humano, assim como alguns animais, é totalmente dependente do contato humano e do afeto para se desenvolver física e emocionalmente.

No início do século passado, a mortalidade entre bebês vivendo em orfanatos na Europa e Norte América era de quase 100% da população.

Estas crianças tinham todas suas necessidades físicas atendidas, mas não era permitido nenhum contato físico com elas, porque as pessoas pensavam que isso poderia transmitir doenças. Assim, elas morriam aos milhares.

Quando em 1920 o Dr. J. Brenneman tornou obrigatório o contato afetuoso entre qualquer pessoa que entrasse na enfermaria e os bebês ali presentes, as taxas de mortalidade caíram drasticamente.

Daí se concluiu que os seres humanos em tenra idade necessitam ter suas necessidades físicas atendidas, e que sem afeto tampouco são capazes de sobreviver.

Apesar de ser uma relação idealizada desde a antiguidade como sagrada, em geral, não é fácil ser mãe nem ser filho.

É comum ouvirmos desde pequenos que só entenderemos nossos pais quando formos pais, o que costuma ser verdade.

Como filhos, é difícil nos colocarmos no lugar de nossas mães e avaliar suas decisões quando estamos crescendo, especialmente quando elas vão contra aquilo que queremos.

Por outro lado, as mães precisam deixar de ser filhas dos próprios pais antes de poderem ser mães para os seus pequenos.

Essa ideia parece complicada, mas não é. Em poucas palavras, isso equivale a dizer que não temos como carregar nossas carências enquanto filhos para a relação com a nossa cria e esperar, de alguma forma, que aquela relação seja uma reencenação melhorada da nossa própria infância.

O que é preciso para ser mãe?

Ao assumirmos o papel de mãe, precisamos nos colocar no papel de doadoras, enquanto nossos filhos serão os receptores: do nosso amor, da nossa orientação, da educação que lhes damos, das regras, da nossa compreensão, como um dia fomos de nossos pais, ou como deveríamos ter sido em seu momento.

Justo ou não, toda a responsabilidade agora recai sobre os nossos ombros e disso dependerá a relação que teremos com nossos filhos no futuro.

Toda e qualquer necessidade afetiva precisa ser resolvida de outra forma, em outro ambiente, para que possamos nos doar e criar uma relação sólida com nossos filhos de maneira limpa, sem resquícios de um passado que eles não viveram.

Porém, infelizmente, muitas vezes carregamos as marcas deixadas por relacionamentos equivocados com nossos pais para todas as outras relações de nossas vidas, e nossos filhos não são uma exceção.

Aqui é onde começa a maior parte dos problemas.

Como filhos, crescemos observando nosso modelo de mãe e usando-o como referência, seja daquilo que queremos copiar ou evitar.

Às vezes, copiamos coisas que sempre criticamos, sem querer. Outras, observadores atentos que somos, aproveitamos o que acreditamos ter funcionado e corrigimos o que achamos que deveria ter sido feito de outra forma.

De qualquer forma, nossa mãe (ou a que exerce o papel de) é nosso primeiro e principal modelo de referência. Queremos sua aprovação, seu carinho e sua admiração, então, inconscientemente acreditamos que copiando-a é a melhor maneira de consegui-lo.

Escutamos atentamente aquilo que elas dizem ou parecem esperar da gente, e tentamos realizar aqueles objetivos, mesmo quando não são nossos.

Apesar disso, em algum momento – geralmente no final da adolescência – sentimos que necessitamos encontrar nossa própria identidade e romper com aquela relação quase de espelho.

Aqui, surgem os conflitos porque, muitas vezes, ao tentarmos encontrar nossa própria identidade fazendo tudo diferente do que aprendemos, vamos pelos caminhos equivocados.

Mas não necessariamente nos preocupamos com isso: contanto que possamos confirmar para nós mesmos nossa capacidade de sermos diferentes estamos satisfeitos.

Como mães, não nos damos conta que podemos sufocar os filhos com nossas expectativas para eles.

Recebemos sob nosso cuidado seres que desconhecem absolutamente o mundo, tentamos ensinar a eles tudo que sabemos ou achamos que irá protegê-los e, um dia, eles nos dizem que nada daquilo serve, e que eles vão fazer as coisas “à sua maneira”.

Essa atitude muitas vezes nos desespera, quando não deveria: com esse rompimento, eles geralmente são capazes de encontrar o próprio caminho, que costuma ser um meio termo entre nossos desejos para eles e suas vocações naturais.

Hora de dar asas aos filhos

Enquanto pais, é difícil aceitar a libertação dos filhos do nosso domínio e cuidado. Queremos que eles não cometam os erros que cometemos, então interferimos mais do que deveríamos.

Doce ilusão: eles não cometerão os erros que cometemos. Cometerão os próprios erros e aprenderão com eles, independente do quanto queiramos protegê-los.

Nossos bebês crescem e exigem independência sobre suas próprias vidas, sobre suas próprias famílias, e nos oferecem um lugar de observador de suas vidas, da arquibancada. Nos sentimos excluídos.

Mal sabemos que nunca deixamos de estar presentes. Disfarçadamente, eles estão sempre nos observando em busca de nossa avaliação daquilo que estão fazendo.

Estamos aprovando? Estamos reprovando? Ainda que estejamos em silêncio e sem interferir, nosso olhar, nossa expressão facial, nossos gestos, tudo é observado como dicas sobre o caminho que estão percorrendo.

Porque, se bem é verdade que sim, podemos seguir nossas vidas e tomar nossas decisões independente da opinião dos nossos pais, nos sentimos muito mais seguros e confiantes quando o fazemos com a aprovação deles.

Porque, por menos que queiramos aceitar, poucas coisas são tão importantes para um filho como a aprovação de um pai ou de uma mãe.

Poucos trabalhos são tão difíceis na Psicologia como liberar um filho dessa necessidade, ou minimizar a influência disso em suas vidas. Independente de idade, sexo ou estado civil, todos necessitamos da aprovação dos nossos pais.

A difícil arte da convivência entre mães e filhos

Algumas vezes a desaprovação dos pais sobre atitudes dos filhos, sobre quem são ou como são se torna intolerável.

Aqui é onde acontecem os cortes nas relações: filhos que deixam de falar com os pais, que precisam exclui-los de suas próprias vidas em uma tentativa desesperada de se permitir existir como uma pessoa diferente daquela que a mãe espera dele.

Ato dos mais difíceis para um ser humano, às vezes a presença da mãe é tão opressora e imponente que não nos sentimos no direito de ser.

Não podemos ou queremos atender às expectativas que tem para a gente – como filhos, pais, etc. – então usamos um recurso extremo: exercemos nosso direito de partir.

Às vezes, o inverso também acontece, por motivos diferentes: pais que rompem contato com os filhos como uma tentativa última de fazer valer a própria palavra e vontade, recusando-se a mudar de lugar na vida da sua cria, rejeitando o papel de coadjuvante quando já foi ator principal.

O mais difícil dessa relação se encontra no processo de individualização de ambos os seres.

Por ser uma relação que tem inicio de maneira absolutamente simbiótica, como um sendo parte do corpo do outro, é difícil principalmente para a mãe entender que aquele ser a quem deu vida é um ser diferente e independente dela.

Muitas vezes, essa simples ideia soa como uma ofensa: “como independente se sem mim ele não teria nem mesmo existido?”.

É difícil para uma mãe aceitar a mudança em seu papel na vida de um filho – de protagonista durante os primeiros anos para coadjuvante na idade adulta. É difícil para ela não tentar resolver através de sua própria de maternidade as falhas trazidas da relação com a sua própria mãe.

É difícil aceitar os limites impostos pelos filhos em sua participação em suas vidas. É difícil aceitar a obsolescência de suas opiniões. É difícil aceitar que eles crescem e formam novas famílias das quais elas não são mais o centro.

É difícil entender que, apesar de tudo isso, o amor que um filho nutre por uma mãe é imenso e desconhece barreiras. Existe e sobrevive mesmo em situações adversas, apesar dos limites impostos, das distâncias, da idade, e de todo o resto. E pode ser fonte de conforto ou de muita dor.

Para um filho, muitas vezes é tão difícil ter uma mãe, assim como não tê-la. Querer essa mãe em sua vida, mas não da maneira como ela deseja e sim de uma maneira saudável, que lhe permita existir como pessoa, pode ser uma tarefa árdua.

Especialmente por que, às vezes, essa maneira faz mal à ela e é terrível para um filho sentir-se causador do sofrimento da própria mãe.

É difícil sentir-se no direito de conquistar e brigar pelo beneficio de ser uma pessoa diferente, separada, com outras opiniões, outra vida, outra personalidade e, ao mesmo tempo, sentir-se culpado por isso, por saber que isso causa dor à mãe.

É difícil tanto para mães quanto para filhos saber quando renunciar a uma discussão ou briga, por reconhecer que não poderá fazer o outro entender o seu ponto de vista, e decidir dar um passo em direção a um ponto médio.

Saiba a hora certa de ceder

Mas essa é uma relação geralmente cheia de extremos e de pontos médios. Fundamental e básica para qualquer ser humano, a relação entre mãe e filhos pode ser um oásis num deserto ou uma disputa eterna de individualidades.

Atravessada por um amor que costuma ser incondicional de ambas as partes, não é uma relação imune a conflitos nem que está finalizada.

Como toda e qualquer outra relação, é passível de ser melhorada sempre, e oferece incríveis oportunidades de aprendizado e crescimento para ambas as partes.

Como toda relação humana, é construída a quatro mãos: depende de dois para crescer, existir, e se fortalecer.

Algumas vezes, mães cedem em função dos filhos, afinal, elas estão acostumadas a fazê-lo porque entendem a falta de experiência ou maturidade daquele ser que, assim como ela, ainda está em desenvolvimento.

Outras vezes, cedem os filhos em função das mães, porque a idade as tornou mais duras e inflexíveis em suas opiniões e há brigas que não valem a pena.

Independente de quem decida ceder e quando, com o crescimento dos filhos e o amadurecimento das mães, é importante cultivar um diálogo maduro e aberto.

A ideia é superar os medos infantis de punição ao expressar os próprios sentimentos, ou de ofender os pais, porque são as coisas não ditas ou ditas sem respeito que costumam criar mágoas e distâncias.

É só através de um diálogo sincero e amoroso que podemos crescer e permitir ao outro crescer, abertos, conscientes de que nenhuma das partes está imune a erros e que ambos precisam contar com a capacidade de perdoar do outro, para que o tempo fortaleça os vínculos da relação.

Marcia Fervienza

Marcia Fervienza

Astróloga e terapeuta há mais de 20 anos. Associa sua experiência com aconselhamentos analíticos ao trabalho com Astrologia para facilitar o autoconhecimento, o empoderamento e a transformação pessoal.

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