A dor e o choque da morte súbita
Conheça impactos desta perda e caminhos para se adaptar à nova realidade
Por Celia Lima
Não existem lutos fáceis. Mesmo quando uma pessoa fica doente por um longo período antes de morrer, no momento em que ela se vai é que a perda é concretizada. Um profundo sentimento de impotência toma conta dos que ficam, mesmo que a interrupção do sofrimento seja entendida como benéfica, tanto para o doente quanto para os familiares. Os sentimentos que acometem quem fica vão desde a culpa até a raiva, passando pelos fantasmas do abandono, da rejeição, do inconformismo. São muitas as facetas do luto.
Mas saber da possibilidade da morte, seja por doença, por internação prolongada, porque assistimos a lenta partida de nossos velhinhos que simplesmente adoecem pois precisam morrer um dia, ou porque acompanhamos a evolução de uma metástase ou de outras doenças degenerativas que não têm cura, faz com que a pergunta “quando?” esteja mais presente e, assim, vamos nos preparando para a despedida.
Na doença, por mais paradoxal que possa parecer, temos a feliz possibilidade de ajustar coisas que ficaram pelo meio do caminho. Podemos dissolver as mágoas, declarar um amor que nunca foi dito, dedicar nosso tempo e nossos cuidados para amenizar a dor e o sofrimento de quem está doente e este, por sua vez, em suas reflexões, pode manifestar igualmente seu amor, passar por processos de compreensão e descobrir que não vale a pena continuar magoado com aquele filho ou com aquela mãe, tendo então a oportunidade de refazer seus sentimentos e recobrar a paz dentro de si.
A morte é inevitável, mas o fato de alguém morrer pode ser emocionalmente mais suave ou menos doloroso, quanto mais as pessoas envolvidas com o processo tiverem consciência da importância de dar ao doente um amparo amoroso diante de seus medos e de suas dúvidas frente à jornada que está por vir. E certamente, nesse processo, quem está passando pela perda também busca amparo, seja nos médicos, na religião, nos amigos ou nos parentes.
Chamamos de “luto antecipatório” o processo de luto que ocorre antes da morte, tanto pelo doente que vai perdendo gradativamente sua vida social, profissional e pessoal, além do viço corporal que antes tinha – vivendo assim um luto de si mesmo – quanto pelos familiares que acompanham esse findar. A expressão dos sentimentos nessa fase é fundamental no processo de elaboração do luto após a morte. Não apenas o enfermo merece cuidados afetivos especiais, mas também o cuidador principal que, muitas vezes, abdica de sua vida para prestar cuidados e, ao final, sente-se esvaziado.
Quando a morte vem sem avisar
Embora tenha-se a sensação, em casos de doença prolongada, de que a morte foi inesperada, a perda por morte súbita toma outros matizes: não há preparo, não há tempo para reflexão, para despedidas, para o perdão, para declarar o amor. Cai-se num funil de incredulidade ao presenciar ou ao receber a notícia do falecimento repentino de uma pessoa querida e muitos sentimentos desencontrados vão se transformando em perguntas, normalmente sem respostas num primeiro momento: “por quê?”, “por que isso aconteceu comigo? Com ele?”, “por que você fez isso comigo?”, “onde você está?”, “o que eu fiz de errado?”, “onde eu estava que não impedi que isso acontecesse?”.
A negação do fato é muito recorrente nos primeiros dias e até semanas. Muitas pessoas têm dentro de si a certeza de que a qualquer momento seu familiar querido vai entrar pela porta e então se certificará de que tudo não passou de um pesadelo.
Quem perde uma pessoa querida de forma abrupta sente um imenso vazio e constantemente uma grande culpa. Fica por muito tempo refazendo a história com aquela pessoa, se consumindo em tudo aquilo que poderia ter sido diferente, tendo a sensação de que não fez o bastante por ela e busca dentro de si uma forma de reparar aquilo que entende por erros cometidos. É como uma hipnose, e nesses casos o processo do luto pode ser mais traumático. Não é raro que o enlutado ande de um lado para outro chamando pela pessoa querida ou vá a lugares que ela gostava de estar, na esperança vazia do reencontro.Muitos quadros de ansiedade podem se instalar nesses momentos, pois se a espera é real, por um lado, por outro existe um conflito interno muito intenso entre a expectativa do reencontro e a aceitação do fato.
Mas nada disso pode ser considerado um problema. A dor intensa que acompanha a perda permite todas as manifestações. Porém, pode-se atravessar esse período de forma mais branda, e o que vou citar é importante para quem sofre mais diretamente a perda e para os amigos e familiares que estão amparando o enlutado.
Em primeiro lugar, a dor é inevitável. Chorar, chamar pela pessoa que se foi, lembrar-se dela a todo instante e desejar longos períodos de recolhimento não apenas é normal, como faz parte do processo. Também é parte do processo perder um pouco a concentração, sonhar com frequência com a pessoa e não saber como ocupar o espaço físico que agora ficou maior. Mas é preciso respeitar os próprios tempos… cada um vive essa dor à sua maneira.
Tudo pode também vir acompanhado de raiva, não apenas de quem se foi sem avisar, como essa raiva também pode se voltar contra si mesmo. Por isso, é importante estar atento a todos os sentimentos, pois muitas vezes algumas pessoas mais fragilizadas podem, na ânsia de se livrarem da dor intensa, se desconectar da realidade ou, ao contrário, buscar alento ou refúgio na bebida ou outros tipos de droga, adiando assim o processo do luto. Mais cedo ou mais tarde elas vão ter que se confrontar com a perda.
Falar sobre a perda é muito importante, falar sobre a dor que se está sentindo é muito bom também. Buscar o apoio emocional e afetivo da família e dos amigos é fundamental e existe ainda outra forma de superar a perda entre seus iguais em sentimentos, que são grupos de apoio formados por pessoas que estão vivendo a mesma situação. Não sentir-se sozinho nesses momentos é fundamental, reconhecer que você não é o único a sentir o que está sentindo. O isolamento social deve ser evitado ao máximo e a busca por convívio social vai aos poucos promovendo a retomada das atividades da vida do enlutado. É preciso voltar ao trabalho, aos estudos, à família… porque você está aqui.
Fé para enfrentar a dor
A fé não ajuda a cessar a dor, mas sim a enfrentá-la. Cada um tem suas crenças, sua religião ou sua forma particular de expressar a fé. O exercício de sua crença religiosa é mais um apoio importante para atravessar a fase do luto. A fé conforta e acolhe. As pessoas que têm algum tipo de crença de que a vida não termina com a morte física, por exemplo, encontram nesse pensamento a esperança do reencontro e aliviam o coração. Entendem que esse afastamento é temporário e que em algum momento no tempo – tanto para os que acreditam que quem se foi mergulhou num sono profundo, tanto para os que creem que a vida espiritual é desperta e ativa – voltarão a se encontrar, a se abraçar e a conversar. Não importa qual seja a sua crença, a fé faz com que, de alguma forma, quem fica se sinta conectado com quem se foi.
Além disso, cada um pode escolher formas de entrar em contato com a memória de seu amado. Ir ao cemitério ou ao local onde as cinzas foram depositadas, em caso de cremação, ou mesmo escolher um canto da casa para colocar uma foto e depositar flores pode promover um encontro íntimo de almas que alivia a saudade. Ir ao templo para buscar o silêncio e o recolhimento necessários para fazer essa conexão é outra alternativa salutar.
É importante ter consciência de que o tempo é um aliado, ele se encarrega de nos acomodar à nova realidade. Aos amigos e familiares dos enlutados, deixo a sugestão de ficarem atentos ao comportamento deles. A maior parte das pessoas que perdem alguém de forma repentina consegue se ajustar à nova realidade. Entretanto, outras passam um período além do esperado sem conseguir superar a perda, o que pode também estar ligado à forma como ocorreu o falecimento. Mortes por acidente, violência ou suicídio, que remetem a imagens impactantes, podem ser complicadores na vivência do luto. Entre os possíveis sintomas do enlutado que merecem atenção, estão os seguintes:
- Reviver de forma intensa e recorrente o momento da morte ou da notícia da morte, seja através de sons, percepções, imagens ou sonhos; evitar qualquer situação, lugar, pessoas ou eventos que lembrem o ocorrido; insônia; irritabilidade; perda prolongada de concentração e sobressaltos exagerados. Esses são sintomas que fazem parte do que chamamos de Estresse Pós-Traumático.
- Reclusão e alienação; autocomiseração; desinteresse por coisas, fatos ou pessoas importantes; inapetência; desinteresse pela higiene e cuidados do próprio corpo; comportamento ou ideias suicidas. Esses sintomas fazem parte de Depressão Profunda.
Nos casos citados acima, é fundamental que o enlutado receba ajuda profissional, não apenas recorrendo a medicamentos que o redirecionem à realidade, mas também buscando apoio psicoterapêutico, de preferência envolvendo toda a família. Existem várias formas de abordar e ajudar a vivenciar o processo de luto, e ter um espaço adequado para expressar os sentimentos e facilitar a despedida é de extrema importância nos casos de luto complicado.
Exercício que ajuda a aceitar a morte
A vida tem um ciclo, todos vamos morrer um dia. Pensar a morte é fundamentalmente pensar a vida. Mas quando a morte chega é que nos lembramos que talvez tenhamos dado muita importância ao que não era tão importante e pouca importância ao que deveríamos ter dado atenção.
Proponho, então, um breve exercício de reflexão: imagine que você saiba quando vai morrer. O que gostaria de fazer? Quem gostaria de encontrar? De quem gostaria de se despedir? Com quem desejaria fazer as pazes? A quem gostaria de declarar seu amor? A quem gostaria de agradecer? Que desejo de alguém gostaria de satisfazer? Que desejo seu gostaria de realizar?
Mas a morte repentina não manda aviso. Ela simplesmente acontece e não há nada que possamos fazer. Ou melhor, há: podemos trabalhar em nosso dia a dia para resolver nossas mágoas com pessoas importantes, podemos demonstrar gratidão pelos pequenos e grandes gestos que tiveram por nós, podemos dedicar mais tempo aos nossos pais e nossos filhos, podemos visitar pessoas queridas, podemos declarar e demonstrar nossa afeição por todos à nossa volta. Por que não há nada mais gratificante do que saber que não deixamos coisas por fazer ou dizer quando perdemos alguém, que todo o amor possível foi vivido ou declarado.
Mas não se impressione caso não tenha se dado conta de que todos vamos morrer, pois você pode começar a refletir a respeito disso e modificar muitas coisas em seu comportamento diante das pessoas que ama e em sua escala de valores. Também não se impressione caso já tenha perdido alguém repentinamente. Sempre haverá formas de reeditarmos a história em nossos corações.
Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.
Saiba mais sobre mim- Contato: celiacalima@gmail.com