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Carente demais ou forte demais?

Pode parecer contraditório, mas tais características podem revelar codependência emocional

Atualizado em

Desde 2016 venho me curando da codependência emocional. Identifiquei que era codependente por acaso, de uma maneira totalmente inusitada. Até ali me identificava com o perfil que eu gosto de chamar de “fortona-ta-tudo-bem-comigo-me-viro-sozinha”.

Eu estava no meio de uma palestra que estava oferecendo junto com uma parceira, Já sabia que o próximo assunto que ela iria abordar era codependência mas, como não me identificava, não dei bola.

Me sentei e comecei a escutar sem grande atenção. De repente, algo em mim foi tocado profundamente e eu lembro de sentir: “Uau, é isso o que acontece comigo”.

Meu processo de recuperação consiste hoje em basicamente:

  • Parar de me distrair de mim mesma com os outros ou com trabalho.
  • Me priorizar e estabelecer limites – o que é difícil para mim – não fugindo de confrontações.
  • Tomar consciência do que sinto. Realmente me permitir sentir, me acolhendo e aprendendo a então me expressar de acordo.
  •  Seguir mais e mais os meus desejos (e não aquilo que eu acho que eu tenho que desejar)
  • Acabar completamente com o meu papo interno auto-crítico e perfeccionista, me permitir errar e me perdoar, me agradecer pelas oportunidades que eu crio na minha vida.
  • E por fim, fazer tudo isso, mudando completamente umas das coisas mais importantes: a maneira como me relaciono comigo mesma, como falo comigo, como me cuido e me trato. Fazer isso me fez perceber que pela primeira vez estava verdadeiramente dando passos firmes e sólidos em direção ao que realmente significa me amar e me aceitar na prática, não só na teoria bonitinha.

Para alguns pode parecer pesado, outros talvez estranho e chato, mas a codependência é algo pouco falado e bem mais comum do que se imagina. Por isso eu acho tão tão importante ser esclarecido.

Muita gente não sabe o que é codependência e como ela atrapalha totalmente a nossa forma de nos relacionar. Não sabe qual origem dela, e como podemos nos recuperar dela.

E não sabe que muita vezes é “ela” o que nos isola emocionalmente (e/ou fisicamente) dos outros, faz a gente se sentir sozinhos mesmo acompanhados e ao mesmo tempo nos dá um tremendo desespero de ficarmos sozinhos, fazendo com que a gente se meta em tantas “tretas&roubadas.com.br”.

Abaixo respondo as dúvidas que recebi de leitores Personare sobre esse tema.

O que é codependência?

Com meus estudos descobri que a codependência não tem uma definição única ou oficial. Na minha visão eu diria que a codependência é uma série de comportamentos disfuncionais na forma de uma pessoa se relacionar com os outros e também com ela mesma.

E que estes comportamentos levam a relações disfuncionais e uma vida disfuncional. Confuso ainda né? Peraí.

Eu digo comportamentos, porque ninguém “é” codepedente e pronto, não é um estado de ser, é como você se comporta, que praticamente se torna quem você é, mas não é quem você é.

Você pode mudar isso e da mesma forma também pode se tornar isso. Dependendo das situações que se encontrem, pessoas podem ter comportamentos codependentes.

E também é importante esclarecer que todos nós somos em algum um grau um pouco codependentes, em alguma área, relações ou em certos momentos, e tá tudo bem.

O preocupante é quando tudo que uma pessoa conhece desde a sua infância são esses comportamentos como suas ferramentas únicas para lidar com a vida, com os outros e consigo mesma.

Ou seja, ela quase se torna o que chamamos de “codependente” porque tudo que ela sabe é funcionar na vida assim: de forma codependente.

Isso fica internalizado com muita força para este tipo de pessoa e ela vai atraindo cada vez mais situações para confirmar que ela precisa agir assim. Isso faz com que ela se torne mais insegura, mais perfeccionista,

controladora, mais ainda preocupada com o outro e menos com ela mesma. Isso faz com que ela apele mais ainda para tais comportamentos, tornando a coisa toda uma bola de neve.

Quais comportamentos revelam a codependência?

Codependentes costumam sentir muita culpa, por tudo, sempre, e então quase nunca pedem pelo que merecem porque nem sabem o que merecem. Entram nas relações se sentindo menos.

Se punem, toleram muito mais do que de fato aguentam, dos outros, das situações, do trabalho e da vida. Aturam o comportamento ruim do outro sem colocar limites. Têm limites fracos demais ou rígidos demais, e muita dificuldade de dizer não para outros.

Um sinal forte de codependência é a disposição para assumir mais de 50% da responsabilidade pela relação. E, quando esta não vai bem, apesar de todos os esforços, se culpar e acreditar que tudo dará certo caso se esforce mais um pouquinho.

Geralmente os codependentes se relacionam para tentar consertar parceiros, amigos, a vida, e a si mesmos – mesmo quando isso não foi solicitado. Se sentem responsáveis pelos outros. Acreditam que o problema do outro é seu e sua responsabilidade.

Desenvolveram comportamentos extremamente controladores, e as vezes isso até fica disfarçado de: “tá tudo bem, pode fazer o que quiser”.

Mas, no fundo, têm dificuldade de soltar este controle e de aceitar as coisas e pessoas como são, porque têm dificuldades de se aceitar.

Codependentes são perfeccionistas em relação a eles mesmos, às vezes sem saber, porque acreditam ser natural se exigir tanto assim.

Acabam buscando, atraindo e/ou ficando em lugares, com pessoas e coisas que precisam de conserto. É difícil para o codependente só desfrutar das coisas, se divertir e relaxar.

Por que codependentes se doam em excesso, mas se sentem vítimas?

Porque se sentem mais confortáveis doando do que recebendo. Mas, internamente, existe um vazio muito grande. Assim com esperam salvar e resolver a vida do outro, secretamente acreditam e têm o desejo de que o outro os faça felizes.

Por isso, muitas vezes têm a sensação de estarem sendo usados, não apreciado e vítimas nas suas relações: “Eu me doei tanto”.

E querem ser reconhecidos por isso. Podem ficar tristes por sentirem que passam a vida se doando aos outros e ninguém lhes retribui como gostariam.

Quando estão nas relações como “salvadores”, é comum se sentirem sobrecarregados, sem perceber que são eles mesmo que pegam coisas demais para dar conta, ou para fugirem de si mesmos, do que sentem.

Não sabem a hora de parar de “dar conta de tudo”. Se desconectaram da suas emoções e dor tão cedo em suas vidas que é fica difícil reconhecer quando já passaram do seu limite de tolerância e as coisas se tornaram demais.

Por isso, percebo nos codepententes a tendência a compulsões: comer demais, gastar demais, se isolar demais, trabalhar demais, se relacionar demais, usar ou abusar de outras substâncias.

No fundo, quando “estamos” codependentes, não sabemos do que realmente gostamos ou nos dá prazer fora trabalhar ou viver por alguém. Não sabemos o que fazer com nosso tempo, uma sensação de sentir que não está vivendo a vida, ou que a vida ainda começou de fato.

Pessoas que costumam se isolar ou se consideram “fortonas” podem ser codependentes?

Numa olhada rápida, o nome codependente pode remeter à alguém declaradamente carente demais e que se joga em mil relações, expressa o que sente, o que pode acontecer bastante.

Mas muitas vezes os codependentes não estão buscando uma relação de intimidade real, estão apenas tentando preencher um vazio e não de fato serem conhecidos.

Se protegem mesmo quando estão dentro das relações. Expressando apenas os pedaços de si que consideram aceitáveis.

Percebo codependentes vivendo em solidão e isolamento constantes. Podem parecer pessoas bem fortes, muito produtivas, que têm tudo resolvido e não precisam de ninguém, e que se resolvem sempre sozinhas.

Podem e geralmente são as pessoas que cuidam de muita gente e muitas coisas. E você raramente as vê pedindo ajuda para elas mesmas.

Como codependente, afirmo: podemos não nos perceber como uma pessoa carente demais, cheias de necessidades ainda não olhadas, descobertas e muito menos supridas, porque não nos conhecemos.

E temos medo terrível disso, de entrar em contato com esse vazio dentro de nós e não dar conta dele.

Mas é justamente isso que precisamos, devagarzinho para preencher o vazio com nós mesmos.

Qual a origem da codependência?

É delicado explicar, pois cada um tem a sua história. Mas o que observo é que estes comportamentos disfuncionais, essa forma codependente de se relacionar começa como um caminho para nos proteger da dor.

No passado, para a maioria, era o que sabíamos e conseguíamos fazer como crianças: fingir que não estávamos sentindo o que sentíamos (por de alguma forma não era aceito), tentar agradar, não dar trabalho, e compensar algum desajuste na família, etc.

Mas depois essa mesma proteção que nos “ajudou” a sobreviver lá atrás, se torna basicamente nossa única maneira de viver e interagir com a vida e com nós mesmos, e acaba por nos prejudicar.

São comuns casos de codependentes que na infância eram considerados pela família como mais maduros do que a idade biológica. Mas, geralmente, essa criança apenas teve que fingir não sentir.

Aprendeu a não dar trabalho, aprendeu que não merecia atenção e a se cuidar sozinha, ou ainda de outros. Acreditou que quem era não era o suficiente e até hoje busca uma forma de ser perfeita. “Serei só um pouquinho melhor, então finalmente vão me amar”.

Essa criança absorveu que não se vive para apenas SER quem se é, mas para se ter uma FUNÇÃO. É objetificada e passa a ela mesma se objetificar. Apenas SER quem é passa a não ter valor, mas sim ser útil ou ser o que quer que acha que TEM que ser para ser amada.

A dificuldade em lidar com a rejeição afetiva pode ser considerada um sintoma de codependência?

Sim, ter dificuldades em lidar com a rejeição é um sintoma da codependência, mas ter dificuldade com a rejeição não te faz obrigatoriamente um codependente. Rejeição é algo que o codepente tenta evitar de todas as maneiras.

Porque é uma das suas maiores feridas na infância. Carrega pela vida a crença que para evitar isso precisa de alguma forma conquistar a todos.

Codependência é sinônimo de carência?

Em muitos níveis, sim, mas isso não é tão claro para todo codependente. Para mim, essa carência pode ser traduzida por um vazio interno, um sentimento de precisar preencher com alguma coisa. E daí vem muitas das compulsões.

E muitas vezes uma pessoa, por exemplo, workaholic, com uma compulsão por trabalho tentando preencher esse vazio, nem vai se considerar workaholic e muito menos achar que é carente de si mesma.

Como está em negação das suas emoções, sentimentos e necessidades pode ficar insensível a própria carência, ou vazio. Era o meu caso.

Essa carência é resolvida “curando” a sua a própria historia, resgatando, olhando e aceitando o que aconteceu com carinho. Dando voz e se apropriando dos seus sentimentos que foram negados e engolidos.

E, então, transformando isso em amor próprio. Cultivando o amor próprio, estabelecendo limites, aprendendo a se expressar e preencher suas necessidades e também a pedir.

A baixa autoestima é pré-requisito para a codependência?

Poderia dizer que sim. O codependente tem muita dificuldade em entender seu real valor. Valor em se mostrar inteiro. Pode ser que veja valor em algumas partes suas, mas vê uma tremenda falta de valor em outras e tenta escondê-las.

Também sabemos que baixa autoestima pode ser disfarçada de superioridade, orgulho, confiança, segurança para disfarçar a dolorosa experiencia de se sentir menos.

Uma pessoa pode se torna extremamente interessante e sedutora como um mecanismo de defesa e por proteção vestirá essa fachada de pessoa autoconfiante.

Então, um codependente com pouco autoconhecimento pode não se identificar com a baixa autoestima, pois pode acreditar que está no controle, que consegue agradar as pessoas e receber ‘amor”.

Acredito que isso gera mais problemas de autoestima e mais necessidade de compensar, pois no fundo sabem que não estão sendo amados por quem são de verdade . Vemos isso de uma maneira mais clara no mundo dos famosos diariamente, em história que ouvimos, documentários etc.

A pessoa pode conquistar o mundo todo, mas não consegue conquistar a única pessoa que interessa: ela mesma.

Qual dica você daria para quem se identificar com esse perfil de codependência?

Pegar leve consigo mesmo. Pode ser que você leia tudo isso e já esteja aí com chicote na mão pronto ou então no mood #agoravaivoumudartudoparaontem.

Sair dessa dureza é um desafio, e é o nosso desafio com codependentes: cuidar de nós mesmos, mas com amor, carinho, delicadeza e acolhimento.

Busque aprender mais sobre a codependência (existem muitos livros, e eu escrevo muito sobre isso). Se puder busque terapia, com terapeuta adequado, ou grupo de apoio. Desenvolva seu verdadeiro amor próprio.

Trate a sua vergonha e culpa. Se permita começar a sentir, expressar e acolher suas emoções com as pessoas certas. Busque relações saudáveis. Se permita errar cada dia mais, desagradar os outros e ser conhecido por inteiro.

Aprenda sobre limites e como comunicar seus desejos e preferências em todos os tipos de relações, e para isso é preciso primeiro descobrir que você sim tem preferências e direito a elas.

Descubra o que gosta e quer de verdade, e parece clichê e fácil, mas olha, quando a gente passou a vida toda sendo quem a gente não era, descobrir de verdade isso pode demorar um pouco.

É preciso aceitar que, sim, você pode ser feliz. E na minha visão, por último, o codependente precisa entender que existe e que tudo que ele sente, pensa e é tem valor – e ele precisa ser a primeira pessoa a valorizar tudo isso.

E reflita sobre as suas relações. Na minha vida ora eu estive como a salvadora e ora desesperadamente acreditando que o outro me salvaria. Nunca de igual.

Se fosse igual teria que me mostrar como sou, o que me aterrorizava sem nem eu saber, porque eu evitava sentir muita coisa, apenas ignorava isso e seguia me relacionando acreditando que da próxima vez seria diferente.

MUITO IMPORTANTE: Se você se identificar com perfil codependente, leia tudo isso com muito carinho e amor por você (pois é disso que precisamos). E saiba: você não é isso, e isso não limita quem você é. São comportamentos e comportamentos podem ser mudados.

Você não tem esses comportamentos propositalmente. Simplesmente foi como aprendeu a se proteger de dores muito profundas e ninguém, ainda, te ensinou a lidar com elas de uma maneira diferente.

Então, não teria como você saber agir de outra maneira até hoje. Se acolha, e saiba que você não está sozinho nessa e que existe um caminho para sair da forma codependente de se comportar.

Ariana Schlösser

Ariana Schlösser

Pesquisadora e professora, terapeuta floral, artista, empresária e escritora. Em 2013 criou seu blog sobre o mundo do autoconhecimento e espiritualidade. Ofereceu palestras, retiros e cursos até que sentiu que precisava mudar como vivia isso e descobriu que sofria de spiritual by pass (escape espiritual) e codependência- assim como muitos dos seus seguidores. Hoje é sobre estes temas que fala e ensina.

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