Como lidar com o ódio alheio
Reflexões para não se contaminar e deixar de ser alvo de atitudes hostis
Por Celia Lima
A frase “Deixa o ódio pra quem tem” foi atribuída ao compositor Chico Buarque de Holanda. É certo que, numa entrevista, ele disse “Você não deve ter raiva de quem tem raiva.” Não quero entrar no mérito nem no contexto em que ela foi dita, mas trata-se de uma frase que merece uma profunda reflexão sobre a forma de lidar com o ódio alheio.
Todos os seres humanos têm, em si, toda qualidade de sentimentos, dos mais nobres aos mais execráveis. Tudo o que nos é possível imaginar de bondade ou crueldade, está dentro de nós e, portanto, passíveis de serem exercidos.
Trata-se de fazer escolhas. Naturalmente, seria mais sábio escolher sentir e fazer coisas que nos deixassem confortáveis e a maioria, quero acreditar, sente-se confortável sentindo e fazendo coisas boas, aquelas que não magoam ninguém, que fazem com que o outro se sinta grato e feliz o que, certamente, também vai nos proporcionar uma sensação de bem-estar.
Quando nos incomodamos profundamente com atitudes advindas do ódio, de certa forma nos deixamos contaminar por esse sentimento. Afinal, perder longas horas ou minutos tentando entender o ódio alheio, nos remete imediatamente a esse sentimento. O que sabemos nós a respeito do que move as pessoas que odeiam?
Manifestações do ódio
O ódio se manifesta das mais diversas formas: no trânsito, quando um motorista fica com raiva porque o carro da frente atravessou o sinal e ele teve que ficar no vermelho, no supermercado, quando alguém chegou primeiro no caixa retardando sua passagem, na escola porque o professor considerou só a resposta errada, mas não o raciocínio todo do exercício, em casa, quando nos vemos obrigados a realizar tarefas rotineiras e assim por diante.
Mas pior que essa raiva rotineira, são as que se fixam na alma, as derivadas do rancor por um episódio familiar que ficou perdido no tempo, mas não na memória. Um certo rancor implantado por notícias que nos assaltam todos os dias, por fatos horríveis como guerras, abusos, estupros, injustiças sociais, violências e tudo o que infelizmente faz parte da natureza humana no que tange à destruição.
Essa dificuldade de elaborar o ódio que muitas vezes é desproporcional ao acontecimento e outras tantas vezes nem nos pertence, é o que desejo abordar.
Como lidar com o ódio e as pequenas raivas do dia a dia
Nossas “pequenas” raivas vão se acumulando ao longo da vida, desde que somos crianças. Normalmente as crianças ficam com raiva porque se sentem injustiçadas: ou levam uma bronca que sentem que não mereciam, ou ficam caladas por medo de apanhar dos pais, irmãos ou colegas, ou se ressentem porque queriam ir a algum lugar e foram impedidas.
Outras vezes sentem raiva porque não conseguem aceitar os limites impostos pelas circunstâncias: não podem ter determinado brinquedo, determinada roupa, determinado tênis ou outras coisas materiais. Sentem raiva ainda porque sofrem discriminação na escola e até mesmo em casa, odeiam sua aparência, sua voz, ou eventualmente suas limitações físicas.
Esse sentimento pode ir se desvanecendo ao longo da vida conforme vamos crescendo e amadurecendo, ou pode ir se cristalizando e se somando a outras “pequenas” raivas até que esse amontoado de acontecimentos se transforme numa raiva crônica, tornando a pessoa amarga, do tipo que destila ódio pelos poros, do tipo que não perde uma oportunidade para ferir através de palavras ou atitudes quem quer que lhe atravesse o caminho, até como forma inconsciente de tirar de dentro de si e devolver ao mundo as tantas hostilidades das quais foi alvo.
O que fazer com pessoas que sofrem de ódio crônico
As pessoas que sofrem desse ódio crônico, dificilmente experimentam alguma alegria, momentos de relaxamento e felicidade. Não conseguem compreender a felicidade alheia, são mau humoradas, ranzinzas, pessimistas, porque o ódio lhes tira o brilho, as impedem de desfrutar das delicadezas da vida. O melhor para essas pessoas, seria reconhecerem em si esse estado permanentemente odioso e buscar ajuda profissional, encontrar as raízes desse sentimento e trabalhar para compreender, dissolver e eventualmente perdoar a vida e a si mesmas, descobrindo que são capazes de extrair leveza de seus dias.
Mas e os que são alvo do ódio alheio? Como lidar com esse sentimento sem ficar procurando em si mesmo uma justificativa para ter “merecido” as farpas ou atitudes de pessoas que estão constantemente de mal com a vida?
Entenda como deixar de ser alvo do ódio alheio
Desenvolver o hábito de olhar para si mesmo e analisar sua atuação na vida pode dar uma clareza mais imediata a respeito de tudo o que colhemos. Podemos começar por nos fazer algumas perguntas que irão demandar muita honestidade nas respostas e assim compreender nossa parcela de responsabilidade diante da hostilidade de alguém:
- Qual minha real intenção quando faço perguntas íntimas ou pessoais para alguém?
- Tenho intimidade suficiente para abordar essa pessoa?
- Quero ajudar sinceramente ou quero apenas obter informações? Com que finalidade?
- Acaso abordei um assunto sobre o qual já sei qual vai ser a reação? Busco irritar o outro porque acredito ter mais argumentos ou conhecimento sobre esse assunto?
- Tento convencer a pessoa a pensar como eu penso? O que provoco no outro quando faço isso?
Devemos ter em mente que podemos ocupar o espaço que o outro nos concede, sem forçar a barra para ir além para não corrermos o risco de sermos invasivos ou inconvenientes.
Todavia, muitas vezes, mesmo tendo todos os cuidados, nos deparamos com aquela pessoa odiosa que está sempre pronta para uma resposta ríspida, uma atitude agressiva ou mesmo querendo exercer sobre nós aquele desprezo constrangedor.
Porque você continua convivendo com o agressor?
Nesses casos, vale refletir e tentar entender as razões que fazem com que você insista em se aproximar ou conviver com o agressor:
- Por que a presença dessa pessoa é importante para mim?
- Acaso imagino que mereço essa hostilidade por alguma razão? Que razão?
- Insisto porque não consigo me conformar com esse tipo de tratamento e acho que um dia isso vai mudar?
- Será que ser hostilizada é um padrão na minha vida e acredito que não sei viver sem esse tipo de tensão?
Por infinitos motivos, as pessoas odiosas existem e não há nada que possamos fazer para impedir isso. Mas podemos decidir que não queremos mais ser alvos desse ódio.
“Deixa o ódio pra quem tem”
Muitas vezes temos dificuldade de nos desapegar das situações com as quais já estamos acostumados, porque infelizmente também nos acostumamos com o que não é bom. Entretanto, não paramos de reclamar do que não é bom! Livrar-se de maus tratos, seja em nível afetivo, nas amizades, no ambiente de trabalho e até mesmo entre pais e filhos, parceiros, grupos ou vizinhos é um dever! Porque ninguém mais que nós mesmos somos responsáveis por nosso bem-estar interior.
Querer entender o ódio que move algumas pessoas é um desgaste inútil de energia. Ter raiva de quem tem raiva é igualmente inútil e nos fará semelhantes a eles! Melhor será utilizar essa energia para promover um afastamento seguro e saudável dessas pessoas. Melhor não querer dar a última palavra, melhor aceitar que não temos controle sobre ninguém, não temos poder sobre o outro!
Quando nos afastamos, não será estranho que uma sensação de perda nos percorra. Mas aos poucos vamos compreendendo que a paz que se instala quando optamos por deixar ir de nossas vidas tudo o que nos fere, é um sentimento precioso e renovador.
“Deixa o ódio pra quem tem.” Construa você seu nicho de aconchego entre os que podem oferecer o que você deseja obter nas relações!
Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.
Saiba mais sobre mim- Contato: celiacalima@gmail.com