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Contos de fadas ajudam a interpretar sonhos

Histórias trazem renovação e sentido para cotidiano

Atualizado em

Todas as nossas emoções e experiências, apesar de terem uma tonalidade pessoal, possuem uma parte que é comum à humanidade, por exemplo: o ato de se apaixonar, sentir raiva, buscar o sentido a vida, etc. Muitas vezes pode acontecer de um sonho conter imagens que você não consegue relacionar com nenhuma das suas experiências ou lembranças. Nesses casos, os contos de fadas fornecem imagens arquetípicas que auxiliam a compreensão da mensagem. Isso acontece quando a pessoa sonha com alguma imagem arquetípica e ela é tão complexa e distante que não é possível, ao indivíduo, fazer nenhuma associação com sua história pessoal. Quando isso ocorre, podemos usar os contos de fadas de forma a exemplificar e trazer a imagem para mais perto da consciência.

No trabalho psicoterápico, as imagens dos contos de fadas podem auxiliar a ilustração de situações de vida pelas quais as pessoas passam.

No trabalho psicoterápico, as imagens dos contos de fadas podem auxiliar a ilustração de situações de vida pelas quais as pessoas passam.

Muitos se identificam com determinado acontecimento ou personagem, levando a uma compreensão do que pode ser feito no momento. As histórias nos ensinam que podemos passar por períodos felizes, de conflitos, de perdas e de sofrimento, mas se nos dispusermos ao aprendizado que esses momentos proporcionam, iremos encontrar um tesouro interno.

Contos e sonhos se apresentam por meio de símbolos

A similaridade de linguagens dos contos com os sonhos permite que a simples escuta e leitura das histórias possibilite a manifestação dos processos psíquicos, ativando assim processos inconscientes e facilitando a integração desses conteúdos psíquicos afetados pela consciência.

A pessoa que lê ou ouve um conto pode se identificar com a situação narrada e os acontecimentos similares em sua vida. Isso ativa energia no inconsciente, trazendo emoções e complexos antes ignorados.

A pessoa que lê ou ouve um conto pode se identificar com a situação narrada e os acontecimentos similares em sua vida. Isso ativa energia no inconsciente, trazendo emoções e complexos antes ignorados.

Muitas vezes as temáticas de contos de fadas podem aparecer em sonhos, sem que o sonhador as identifique, por isso é importante que a pessoa conheça as histórias, para saber qual caminho o inconsciente está apontando para o seu desenvolvimento psicológico. Esse trabalho de escuta e elaboração pode ser feito em consultório, desde que o analista tenha um conhecimento amplo de contos de fadas.

Apesar de tanto os sonhos como os contos de fadas tratarem de processos psíquicos inconscientes e se apresentarem de forma simbólica, os sonhos tratam de um material mais pessoal, enquanto os contos tratam de processos psíquicos mais gerais e comuns a todos os seres humanos. Por esse motivo, o uso das histórias em terapia é de grande valia, pois podem ser utilizadas com qualquer pessoa, independente de raça, idade e religião. Sua linguagem universal é compreendida por qualquer indivíduo.

Nas décadas de 70, 80 e 90, antes do advento da Internet, as crianças eram praticamente criadas escutando e lendo contos de fadas. Já existiam as adaptações para o cinema dessas histórias, mas o acesso era mais difícil, por isso lia-se mais. E o ato de ler estimula a imaginação e abre muito mais os caminhos para que o inconsciente se manifeste, pois cada um coloca a sua interpretação pessoal na fantasia em relação ao conto.

Atualmente o cinema e a televisão estão fazendo inúmeras adaptações de contos de fadas, que me parecem uma forma de compensar o crescimento exorbitante do uso da tecnologia – que nos trouxe muitos benefícios, mas nos fez perder esse contato com a imaginação. Hoje as crianças preferem ver os contos no cinema, com a fantasia pronta e com a subjetividade do criador do filme. Não que isso seja ruim, mas acaba desestimulando a criança (e o adulto também) para a leitura e a elaboração de seus próprios símbolos, por meio da fantasia.

É um instinto inato no ser humano a busca por algo que transcende a consciência e que traga sentido para sua existência. Essa nova busca hoje pelos contos de fadas simboliza que o homem ocidental está ávido por uma atividade do espírito. Uma pena que ainda seja apenas como forma de entretenimento.

Como os contos de fadas podem ajudar a interpretar sonhos?

No consultório, ao utilizar o conto de fadas, é importante sempre se ater a emoção suscitada na pessoa pela leitura, pois quando um sentimento aflora, significa que um complexo foi ativado por aquela história. E isso é de grande valor para o autoconhecimento.

Quem nunca teve contato com psicoterapia pode começar com o exercício de anotar os sonhos em um caderno, para que assim comece a não esquecê-los. O leitor, depois de um tempo, poderá perceber que seus sonhos possuem um enredo, uma história, mesmo que essa lhe pareça sem sentido.

A leitura dos contos de fadas (importante salientar aqui que se trata da leitura dos originais) também é recomendada para que ative os conteúdos do inconsciente. O leitor pode anotar as emoções suscitadas pela leitura e perceber que está vivendo uma jornada semelhante.

O leitor pode anotar as emoções suscitadas pela leitura e perceber que está vivendo uma jornada semelhante.

Mas é muito importante que esses sonhos e contos sejam levados para um psicoterapeuta com conhecimento de material arquetípico, pois ele terá condições de auxiliar na interpretação e na elaboração. Nós, humanos, temos pontos cegos e nosso ego cria muitas defesas e resistências em relação ao inconsciente. Por essa razão, o psicoterapeuta é de extrema importância, pois ele tem uma visão não contaminada pela emoção.

Como exemplo prático, cito o mito de “Eros e Psique”, que na verdade é um conto de fadas “disfarçado”, pois possui uma estrutura similar ao conto “A Bela e a Fera”. Utilizo esse conto no caso de mulheres que perderam o seu amor, se sentem abandonadas ou estão a procura do amor que lhes deixou. Esse conto ensina que a mulher tem um caminho iniciatório a percorrer e que, ao final, já amadurecida, reencontra o amor. E isso traz esperança e sentido para a situação de sofrimento que ela vive.

A análise dos sonhos é uma forma muito eficaz de procurarmos compreender o que o inconsciente tem a nos dizer, e assim nos levar a outros aspectos de nossa personalidade que desconhecíamos. Sendo os contos de fadas um sonho coletivo, e por essa razão tratar de um material do inconsciente coletivo trazendo os arquétipos de forma mais pura, eles podem nos fornecer informações mais profundas sobre nós mesmos. Com os contos podemos conhecer nossa subjetividade mais profunda e que não poderia ser acessada apenas pelos sonhos.

Referências bibliográficas:

  1. JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
  2. JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
  3. VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
  4. VON FRANZ, M. L. A individuação nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 1984.
Hellen Reis Mourão

Hellen Reis Mourão

É analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ.

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