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Entrevista: psicóloga fala sobre morte e luto

Clarissa De Franco explica como é possível superar a dor da perda

Atualizado em

A perda de uma pessoa querida é uma das situações mais difíceis que a vida pode trazer. Na entrevista abaixo, a psicóloga Clarissa De Franco ensina como é possível superar o luto por quem se ama, explica por que a morte é um assunto tabu e ainda afirma que a falta de rituais depois da perda pode deixar as pessoas próximas sem referências.

Qual a importância de uma pessoa viver o luto pela perda de alguém querido?

Clarissa De Franco: Ter espaço para o luto na vida social, familiar, profissional e em outros campos é mais que um direito de quem perde alguém, é um dever humano que temos uns com os outros. O processo de luto é necessário para a reconstrução do lugar do sujeito que perde alguém. E como todos lidarão com perdas um dia, é importante que se construa um espaço coletivo que legitime o luto como um recurso de saúde não só para o enlutado, mas também para a sociedade. O processo de luto devolve ao enlutado a chance de uma nova história.

No processo de luto, buscar apoio das outras pessoas ajuda a superar a dor?

Clarissa De Franco: O luto é essencialmente um processo solitário, assim como é vivenciar qualquer dor. Na verdade, podemos e devemos partilhar sentimentos e pensamentos, mas existe algo muito particular no modo como cada um vive esse momento. Essas circunstâncias de isolamento podem ser realmente necessárias, já que são possibilidades da pessoa entrar em contato com seus sentimentos. Entretanto, estes momentos devem ser alternados com horas de partilha, até para que a pessoa em luto não perca a referência sobre quem ela é. O luto pode ser tão violento que podem existir momentos de despersonalização, beirando à loucura. E a família e os amigos, por exemplo, trazem referências, ligando a pessoa ao seu mundo e à sua identidade. É importante reconhecer-se no outro, mesmo que só por um instante.

Para trazer conforto a quem sofreu uma perda muito grande, estar perto já é algo importante, respeitando também os momentos em que a pessoa quer estar sozinha. Além disso, são bacanas pequenos gestos de carinho, alguns convites que lembrem a pessoa que ela tem possibilidades de vida a seu dispor.

Algumas teorias asseguram que o luto possui cinco fases. Quais são elas e que tipo de aprendizado existe em cada uma?

Clarissa De Franco: A teoria mais conhecida é de Elizabeth Kubler Ross, que postulou o luto em cinco fases, que não necessariamente ocorrem em sequência. Basicamente essas etapas seriam: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Elas indicam uma evolução da maturidade de lidar com a morte. Além disso, é importante dizer que o luto é como se fosse uma existência à parte: quando a vida de todos à volta parece continuar, a do enlutado parece estar em outra frequência, como se fosse uma vida paralela. Essas etapas podem ocorrer também diante de outras perdas e frustrações graves, como no divórcio ou em pacientes terminais. Elizabeth Kubler Ross explica os estágios de luto da seguinte forma:

  • Negar é usar recursos para afastar a realidade que dói. Agir como se nada tivesse acontecido e agarrar-se demais ao trabalho são comportamentos frequentes. O sentimento de vazio e isolamento é comum nesse período.
  • No segundo estágio, da raiva, é comum procurar um responsável pela dor e não aceitar a impotência diante da morte. Ocorre a oscilação entre os sentimentos de raiva e culpa. Ou seja, ora a energia da dor é dirigida a um objeto de fora (raiva do médico, do hospital, de alguém que esteja envolvido na morte), e em outros a responsabilidade da dor é autodirigida (“se eu tivesse chegado mais cedo”, “eu deveria ter percebido os sinais”), trazendo culpa. A raiva, nesse caso, pode aparecer de forma extrema, com acessos de ira, violência, sarcasmo, agressividade ou amargura.
  • O terceiro estágio, de barganha, é frequente em processos de doenças terminais, quando a pessoa tenta “barganhar” algo para não perder a vida. Barganhar é tentar negociar com o destino, é ainda achar que ele pode ou poderia ter sido alterado pelo enlutado. É não abrir mão do controle, assim como nas fases anteriores.
  • A depressão é o último estágio antes da aceitação. Quem se deprime sai da condição de controlador do destino e passa a reconhecer as limitações humanas. A tristeza, a desesperança, a perda de sentido e a amargura frequentemente acompanham este momento. Se a pessoa passa a ter alterações de sono e apetite, se não encontra mais motivações para fazer nenhuma atividade, se chora muito ou permanece apática, se fica amargurada e possui pensamentos negativos que não consegue controlar, enfim… O enlutado que estiver em sofrimento pode contar com algum profissional desde o início do luto. Entretanto, se os sintomas permanecerem ou se intensificarem após seis meses da morte, é fundamental esse acompanhamento.
  • A aceitação é o processo que nos torna capazes de ver, tocar, falar sobre a morte e, ao mesmo tempo, deixá-la ir para onde tiver que ir. Aceitar não é não sentir dor ou esquecer a morte, mas é modificar o espaço da dor dentro da pessoa. Ela passa a ser capaz de se lembrar de quem partiu sem amargura, ressaltando os aspectos positivos da relação vivida.

Em sua opinião, por que a morte é considerada um assunto tabu, capaz de assustar muitas pessoas?

Clarissa De Franco: A morte é um tabu porque ela é o maior limite humano. Um psicólogo estudioso do tema, chamado Ernest Becker, afirmou que o ser humano possui uma necessidade vital de ser grandioso. Cada ser humano quer ser notado e reconhecido à sua maneira, e nesse sentido a finitude da vida é inaceitável. Por isso, criamos constantemente estratégias de burlar a morte. A juventude e a beleza são valorizadas como ideais de uma sociedade que não se aceita finita. O aumento da expectativa de vida e os avanços na medicina nos fazem crer que sempre teremos recursos para postergar a morte. Além disso, a separação da Igreja e do Estado e a perda do espaço da religião nas esferas públicas faz com que o luto seja empobrecido simbolicamente. Não sabemos o que fazer com a morte. Os rituais de morte tendem a ser rápidos e privativos, e poucas pessoas sabem o que dizer diante de alguém que sofre uma perda. A verdade é que falta uma educação para lidar com a morte, uma vez que ela faz parte da vida.

falta uma educação para lidar com a morte, uma vez que ela faz parte da vida

Quais tipos de danos a perda de uma pessoa amada pode causar?

Clarissa De Franco: Todo sofrimento pode levar a distúrbios psicológicos. Os casos mais comuns são transtornos de ansiedade (síndrome do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo), transtornos de humor (depressão e transtorno bipolar) e alguns de ordem cognitiva (lapsos de memória e dificuldade de concentração). Também podem surgir sintomas psicóticos (delírios e alucinações), além de outros de ordem psicossomática (paralisias corporais sem motivos físicos, alterações metabólicas – como distúrbios menstruais e hormonais – e alteração do apetite e do sono).

Como se vê, as perdas de alguém podem acarretar vários tipos de distúrbios e isso deve ser observado pelos familiares e amigos do enlutado. Um processo adequado de luto varia de 6 meses a 2 anos, entretanto a partir do sexto mês já é possível verificar se existem sintomas de depressão. Se possível, os processos de luto devem ser acompanhados por profissionais da saúde.

No caso de mortes súbitas, o processo de luto é diferente?

Clarissa De Franco: Geralmente mortes repentinas, violentas, inesperadas ou de pessoas jovens podem provocar o chamado “transtorno do estresse pós-traumático” – o mesmo que pode ocorrer diante de assaltos ou exposição às situações agudas de estresse. Este transtorno traz medo extremo, angústia e reclusão, além de pensamentos negativos que acabam por evitar situações sociais em que a pessoa poderia estar vulnerável ou exposta à mesma violência sofrida. A pessoa acredita claramente que tudo vai ocorrer da pior maneira possível e prefere ficar em casa. Sensações físicas, como calafrios, palpitação e tontura podem ocorrer. Para lidar com este tipo de situação, o enlutado deve buscar ajuda médica e psicológica. Além disso, manter a prática de exercícios físicos também contribui para o tratamento.

Quando a família perde alguém por conta de atos inconsequentes de outra pessoa – como em acidentes e assassinatos – o sentimento da raiva costuma ficar evidente. Como superar isso?

Clarissa De Franco: A raiva é certamente um dos sintomas centrais deste tipo de luto. E não é preciso negar esse sentimento, pelo contrário. O enlutado precisa de espaço para sentir raiva, sem que as pessoas de fora olhem para ele como se estivesse louco. Porém, a raiva precisa ser manifestada em um espaço adequado, como o terapêutico, pois é tentador acreditar que, ao canalizar toda a raiva sobre a figura do suposto “culpado”, a dor passará. Mas isso não acontece. Em casos de mortes violentas, como acidentes e assassinatos, o ideal é que os enlutados passem por acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.

Dizem que quando uma pessoa morre depois de passar muito tempo enferma, a família vive o luto aos poucos. Isso é verdade?

Clarissa De Franco: Considero este luto crônico um dos mais nocivos para a saúde dos enlutados. Ele vai aos poucos “roubando” a energia e a esperança das pessoas envolvidas. O sentimento que se exalta neste tipo de luto é o de impotência e de que as tentativas realizadas antes do desfecho da morte foram vãs. Ao final do processo, existem as sensações de impotência e alívio, ao mesmo tempo em que o enlutado pode sentir culpa pelo alívio experimentado.

Pessoas que tiveram perdas na família dizem que a saudade diminui, mas nunca passa. Você acredita nessa afirmação?

Clarissa De Franco: A saudade não passa, mas sua representação se transforma. Isso quer dizer que no início, diante do impacto da perda, a saudade dói constantemente. Esta dor vai sendo redimensionada e aos poucos a saudade pode ocupar um lugar diferente. O aperto no peito, a angústia e o vazio podem ser substituídos por lembranças que oscilam entre o sentimento de falta e o carinho pela pessoa que se foi.

 

O enterro de uma pessoa costuma ser doloroso para os que ficam. É necessário passar por esse ritual?

Clarissa De Franco: Os rituais de morte são muito importantes para a elaboração do luto. Eles são elementos de despedida que conferem respeito e dignidade à memória do morto. Uma das dificuldades encontradas na atualidade é justamente o empobrecimento dos processos rituais de morte. Isso deixa as pessoas próximas sem referências, ninguém sabe o que fazer e dizer diante da morte. Falta uma espécie de educação para lidar com este momento.

Sendo assim, quais dicas de rituais ou ações você daria para aliviar a dor da perda de alguém querido?

Clarissa De Franco: Escrever uma carta para a pessoa que morreu, dizendo tudo o que gostaria de ter dito e se despedindo, pode ajudar. Além disso, é bom também procurar lembrar-se do sorriso ou de alguma característica positiva da pessoa e recorrer a essa imagem sempre que estiver mal. Agradecer pelo tempo que passaram juntos e oferecer alguma coisa que foi produzido para essa pessoa, como um desenho ou um poema, também podem ajudar.

E o que fazer com objetos que remetem à lembrança da pessoa que se foi? É saudável mantê-los próximos de quem está sofrendo pela perda?

Clarissa De Franco: Os objetos fazem parte da memória e, claro, nos ligam ao morto. Por isso, cada um tem seu tempo para fazer uma “despedida” e aceitar que aqueles objetos não precisam mais ocupar lugar para substituir a pessoa que se foi, ou para que ninguém se esqueça de quem foi aquela pessoa. Esta é a verdadeira morte, a morte da consciência e da memória e, por isso, muitos se apegam aos objetos do falecido como forma de manter a memória da pessoa viva. Mas é importante ter um momento de despedida, uma espécie de ritual para tirar da casa os objetos que não são mais utilizados. Ficar com um amuleto que remete à pessoa que se foi pode ser uma alternativa, mas um quarto inteiro sem ser mexido depois de um tempo passa a não ser mais saudável.

Às vezes, mesmo com o apoio da família e amigos, uma pessoa não consegue superar uma grande perda. O que fazer nesses casos?

Clarissa De Franco: Os recursos são desde procurar ajuda médica e psicológica, até a busca de atividades que tragam um novo sentido para a vida, como grupos de apoio, esportes, religiões, filosofias de vida, cursos, mudança de casa, viagem, etc. A ideia é reconstruir um sentido.

O que uma pessoa que está vivendo o luto pode trazer de bom de uma tragédia?

Clarissa De Franco: Transformar o sofrimento em boas ações é um dos caminhos de elaboração do luto, que pode ter impacto positivo na vida do enlutado e na sociedade também. Alguém que sofre uma perda por acidente, por exemplo, pode se engajar em campanhas de conscientização para evitar situações-problema no trânsito. A ideia é fazer da dor uma possibilidade de aprendizado e de reconstrução. Acredito que não há medicamento mais poderoso para a dor, que a ajuda ao próximo e o compartilhamento dos aprendizados.

Para continuar refletindo sobre o tema

Alguns sites oferecem núcleos de atendimentos, pesquisa, ensino, extensão, informações e divulgações sobre morte e luto. Veja abaixo algumas sugestões da psicóloga Clarissa De Franco:

Instituo Vita Alere – Trata da prevenção e posvenção do suicídio, além de oferecer suporte para o processo de luto.

Instituto de Psicologia 4 Estações – Oferece suporte psicológico para situações de perda e luto.

Grupo Casulo – Oferece grupos de apoio para pessoas que perderam alguém querido e estão vivendo o luto.

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