Liberdade para viver o amor do seu jeito
O limite da satisfação de seus desejos é o consentimento do outro
Por Alexey Dodsworth
Por ocasião da pesquisa que me levou a escrever “Os seis caminhos do amor” (Editora Verus), decidi trilhar duas diferentes rotas. A primeira, de cunho histórico, gravitava em torno de uma – como talvez diria Foucault – “arqueologia do amor”, uma investigação de como diferentes sociedades em variadas épocas abordavam este assunto. O objetivo desta arqueologia não foi, de forma alguma, buscar no passado um “exemplo” ou “modelo” para os dias de hoje, mas sim um entendimento de como as coisas se construíram de modo a culminar naquilo que hoje chamamos amor.
A segunda rota envolvia ouvir (ou, mais apropriadamente, ler) o que as pessoas tinham a dizer sobre suas experiências afetivas nos dias atuais. Esta abertura seria fundamental para não correr o risco de me paralisar numa perspectiva por demais teórica, que não contemplasse a vida prática conforme ela se apresenta agora, na esfera do hoje. Tive acesso à enorme quantidade de depoimentos e histórias de amor postadas por leitores do Fórum Personare. Selecionei algumas que me pareceram emblemáticas e que sintetizavam bem o que vários outros leitores tinham a dizer. Não me surpreendi ao constatar que a esmagadora maioria destas histórias concernia a um tipo específico de amor: a paixão. Aquele amor que dói, que nos perturba o sono e a saúde, que nos leva a adorar e odiar o outro numa sucessão de sentimentos que nos levam a um choque térmico na alma.
Gregos antigos rejeitavam a paixão
Se é verdade que a paixão predomina na forma como entendemos a experiência de amar e sermos amados, é igualmente verdade que aprendemos este modelo e o tomamos como “a única e significativa expressão do amor”. Mas nem sempre foi assim. Os gregos antigos, por exemplo, tão ciosos que eram de sua dignidade própria e tão amantes da razão, detestavam a paixão. Nutriam por ela intenso desprezo.
O indivíduo apaixonado estava em pathos – palavra grega que fez brotar os conceitos de “paixão” e é também a raiz de “patologia” (e, claro, isso não é mera coincidência!). Ao apaixonado, restavam os regimes de afrodisia: as dietas, terapias do sono e uma série de outros procedimentos cujo objetivo era “desapaixonar” o sujeito para que, assim, ele se tornasse capaz de amar melhor. Ou seja: um grego antigo ficaria arrepiado de terror só de ouvir uma de nossas músicas, hoje em dia. Canções que falam de sofrimento, desespero, “não posso viver sem você”, “sem você minha vida acabou”, “o ciúme me corrói a alma” etc., tudo isso seria o fim da picada para um cidadão grego.
Os gregos, em compensação, adoravam a amizade. Para eles, a identificação da amizade a partir da consideração racional das virtudes do outro era o suprassumo do amor. Traduzindo em miúdos: diante de uma pessoa linda e sexualmente atraente e outra não tão linda, porém inteligente e virtuosa, um grego clássico não hesitaria em escolher a segunda.
Quais são as suas faces no amor?
O cristianismo, na medida em que se instaurou como cultura dominante, resgatou a nossa capacidade de sofrer. Passamos a não precisar mais manter a pose custe o que custasse. O cristianismo nos autorizou: você pode admitir que sofre! E, note, não estou me referindo ao cristianismo em seu aspecto religioso, estou me referindo ao aspecto cultural. Mesmo que você não partilhe da fé cristã, você foi criado numa cultura cristã e, deste modo, valores como “piedade”, “admitir o que se sente”, “rejeitar a vingança” e tantos outros fazem parte de sua vida.
E não há, aqui, nenhum juízo de valor do tipo “os gregos estavam certos”, ou “o cristianismo estava certo”. O que me chama a atenção é outra coisa: vivemos numa sociedade libertária o suficiente para experimentarmos diferentes faces do amor, sem sermos publicamente censurados por isso. Há uma cobrança coletiva, é claro, em torno da paixão: as músicas cantam isso, as novelas fazem sucesso quando exploram a paixão. Mas se você quiser seguir sua vida a partir do modelo grego do amor, se pautando na amizade, você poderá. Se você quiser ter relações abertas, você poderá. Se você quiser amar o sexo oposto ou o mesmo sexo, você poderá. Vivemos tempos interessantes, no qual um considerável grau de liberdade é a marca. Esta liberdade, evidentemente, demanda responsabilidade: somos responsáveis uns pelos outros, e o limite da satisfação de nosso desejo é o consentimento do outro, o que se configura como regra inegociável.
Se você vive uma grande paixão, estilo “novela”, você pode e não precisa se sentir doente ou culpado(a). Se você tem uma amizade especial, na qual o que predomina é a admiração intelectual com uma pitada de sexo, ótimo! O fundamental é descobrir qual é o seu jeito de viver o amor, de verdade, sem ter que seguir modelos obrigatórios. Às vezes, descobrir isso é o trabalho de toda uma vida!
Lembro que, lendo o material de depoimentos amorosos, encontrei histórias de pessoas que apenas aos 50 e poucos anos de idade se tocaram que não são ciumentas, mas faziam de conta que eram porque achavam que “sentir ciúmes” era uma obrigação de todo ser humano que ama. Li pessoas que declararam gostar de um sexo mais selvagem, mais agressivo, mas passaram a vida tendo vergonha de admitir isso para seus parceiros. Tempo perdido? Talvez. Mas o que importa não é o tempo que se perde, pois este não volta, e sim o que temos pela frente. A todos, independentemente do que gostem e de como gostem, um feliz Dia dos Namorados!
Livro “Os seis caminhos do amor” (Ed. Verus).
Astrólogo e autor de análises de Astrologia, Tarot e Runas do Personare. Sua afinidade com temas esotéricos se alinha com sua defesa à liberdade de saberes, sejam eles científicos ou não.
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