O que aprendi ao viajar para Índia pela primeira vez
Professora de Yoga revela aprendizados e insights num Diário de Viagem pelo centro-sul asiático
Por Karime Neder
Viajar para Índia é muito mais que uma viagem, é uma experiência intensa de autoconhecimento. A Índia é um país extremamente exótico, de dualidade pulsante. Do caos extremo à devoção profunda, os indianos vivem uma realidade muito diferente da que conhecemos como vida. Um lugar que só pode ser experimentado na sua plenitude através do coração. A mente racional e condicionada pela cultura ocidental não é capaz de compreender esse lugar, o não julgamento é um trabalho constante aqui.
Viva a índia com o coração, pois a razão não funciona aqui!
Essa é a minha primeira vez na Índia. Desde o meu primeiro dia aqui tentei escrever sobre esse país tão profundo, mas só comecei a me sentir um pouco mais à vontade para transmitir a minha visão da realidade indiana depois de praticamente uma semana vivendo intensamente aqui.
Ainda tenho muito o que viver e sentir nesse lugar, mas vai ser preciso uma bagagem extra para tanto conhecimento adquirido nos meus primeiros dias aqui. Abaixo, compartilho com vocês 5 coisas que aprendi em minha viagem à Índia.
1. Aceitação e não-julgamento
Aceitação é uma das palavras que marca muito os moradores daqui. O sentimento de aceitação permeia desde as condições de vida de cada um até as diferenças de crenças e culturas. Na Índia, hindus, budistas, muçulmanos, cristãos, sikhs e demais religiões convivem harmoniosamente.
2. Diversidade de culturas e crenças
Viajar para Índia e não visitar os diversos templos sagrados é o mesmo que não ir à Índia. Dois dos templos que visitei em Delhi me marcaram pela sua abertura às demais culturas e crenças.
Templo Bangla Sahib
Esse é um templo da religião Sikh, localizado em Delhi, muito lindo e movimentado. O que mais me surpreendeu aqui foi a não existência de culto a qualquer tipo de imagens, além da diversidade das pessoas que circulam por aqui.
3. Amar, elevar e sentir
Para o Sikh, existem três pilares importantes da vida: amar, elevar e servir. Amar sem julgamentos, para criar meios de viver em sociedade de forma harmoniosa; elevar-se por meio da dedicação e de trabalhos honestos a fim de ter recursos para viver de forma confortável e saudável; assim, então, é possível servir ao próximo, para que o ciclo se mantenha.
A presença da energia amorosa é praticamente palpável nesse lugar, onde as pessoas dedicam as suas vidas para cantar, cozinhar e servir. No altar, as imagens de divindades são substituídas por livros. Todos os dias é um convite para entrar, sentar e apreciar a música ao vivo dos Sikhs tocando as suas tablas e citaras, e recitando textos antigos que estimulam a reconhecer em si mesmo as suas forças de elevação.
A música é sustentada por um revezamento, o que cria um corpo lindo e muito forte, tornando a atmosfera propícia para um estado meditativo. Eu poderia ficar ali a tarde toda sentada em meditação, me senti muito à vontade e conectada com o ambiente.
Após algum tempo de meditação neste local, o guia nos levou para uma parte atrás do templo que me surpreendeu ainda mais, nos deparamos uma cozinha enorme, com panelas gigantes e uma equipe de primeira que se reveza para cozinhar. É um lugar que serve almoço, café da tarde e jantar para milhares de pessoas todos os dias. Era uma cozinha extremamente aromática e as pessoas pareciam estar cozinhando em total harmonia, em paz.
Não existe nenhum critério para receber o alimento, qualquer pessoa pode entrar e sentar-se para comer. Acredita-se que a pessoa só pode iniciar o seu caminho de elevação se tiver com as suas necessidades básicas saciadas.
As sessões acontecem todos os dias. A cada hora que as portas do salão de refeições se abrem, cerca de 400 pessoas por entram, sentam em fileira no chão e se alimentam da refeição servida por voluntários. E não há qualquer distinção: hindus, sikhs, turistas, moradores de rua, qualquer pessoa. São cerca de 20 mil refeições servidas toda semana e todos os recursos vêm de doações. Não se paga nada para entrar no templo.
4. Água milagrosa: a fé cura
Outra parte do templo que me impressionou bastante foi uma enorme piscina em que as pessoas acreditam conter uma água milagrosa capaz de aliviar o sofrimento e curar diversas doenças. A piscina é realmente enorme, e por via das dúvidas, fui lá banhar os meus pés!
Esse com certeza é um lugar que vale a pena retornar com mais tempo!
5. O silêncio é sagrado
Apesar de silêncio ser raridade na movimentada Índia, em minha visita ao Templo de Lótus pude perceber o respeito ao silêncio, sagrado nesses locais.
Templo de Lótus
O Templo de Lótus encanta por sua beleza e leveza, pertence ao Baha’I, uma religião monoteísta que acredita na união espiritual de toda os seres e um Deus onipresente e criador de todas as religiões, No Baha’I, acredita-se que para estabelecer a união de toda a humanidade é necessário respeitar, apreciar e aceitar a diversidade racial, cultural e espiritual.
Com uma presença imponente e um silêncio profundo, no Templo de Lótus você pode entrar, apreciar a arquitetura e se conectar com a própria fé. Não existem imagens de nenhuma divindade, apenas beleza e silêncio.
Fiquei muito impressionada com a energia e a conexão que esse lugar nos inspira. A atmosfera é muito forte, e se existe uma palavra de ordem, essa palavra é amor.
Relativamente moderno, esse templo existe em oito lugares do mundo. Cercado por um lindo jardim e com sua forma de flor de lótus, é um lugar impressionante, uma das obras arquitetônicas mais belas que eu já pude apreciar. O pôr do sol visto atrás do lótus é um espetáculo à parte.
“Os amigos, no jardim do coração eles plantam nada além da rosa do amor, e no florescer da afeição e do desejo não perdem o seu domínio” – Baha’I
Além do templo, vale a pena dar uma passada pelo centro de informações, que é como se fosse um museu onde você pode conhecer um pouco mais sobre a história da religião Baha’i, arquitetura e os demais templos espalhados pelo mundo.
Varanasi, Índia
A chegada em Varanasi nos faz pensar: agora, sim, posso dizer que cheguei à Índia!
Uma das 7 cidades sagradas do Hinduísmo, Varanasi é uma cidade Shivaista e extremamente mística. É considerada pelos hindus a cidade mais antiga do mundo. Está localizada às margens do Rio Ganges e é habitada por cerca de 3 milhões de pessoas.
Uma cidade que choca e nos coloca frente à frente com uma realidade dura e desconhecida até então.
Eu cheguei a ler um pouco sobre o lugar antes de vir, mas não poderia imaginar tudo o que vivi. Varanasi só pode ser conhecida pela sensação, não tem como explicar. É uma mistura de caos, aceitação e devoção.
Logo na chegada à Varanasi, no fim do dia, percebemos que existe uma superpopulação. E como se não houvesse espaço para a quantidade de pessoas e tuc tuc nas ruas. O trânsito é caótico e as pessoas não param de buzinar, aliás buzina é algo que merece um artigo só para ela. A relação do povo Indiano com a buzina é algo que eu ainda estou tentando entender!
O trânsito de Varanasi me lembrou os tempos de criança quando eu ia ao parquinho andar de carrinho de bate-bate. Afinal, os tuc tucs batem o tempo todo, mas o espaço para andar é tão apertado que as batidas não causam danos. E a serenidade do povo indiano mediante a esse caos todo é incrível. Eles não se alteram por nada, mantem a calma e sua fisionomia serena. Desengancham um carro do outro e saem andando como se nada tivesse acontecido. É impressionante!
Chegamos na cidade atrasados para assistir a cerimônia do Ganga Aarti, que saáda o rio e celebra o fim no dia. Foi um caos para chegar às margens do Ganges. Olhava para a fisionomia dos alunos eu não acreditava nos olhares espantados e ocidentalizados que pareciam não estar acreditando naquela vivência.
Me emociono só de lembrar. As buzinas se tornaram sinos e mantras. O caos se transformou em devoção. A cerimônia inundou os nossos corações. Olhando em volta percebi que todo o caos que percorremos foi providenciado pelo destino para que pudéssemos vivenciar essa dualidade. Eu estava em choque, um sentimento novo tomou conta de mim. Lágrimas nos meus olhos expressaram a minha gratidão pela vida ter me colocado ali.
Devoção ao Rio Ganges
O Ganga Aarti é uma cerimônia linda que reúne centenas de pessoas para assistir a música, a performance, o fogo e dividir muita devoção à beira do Rio. Essa foi o meu primeiro contato com o Rio Ganges que até então, na minha concepção ocidental era apenas um rio. Agora, entretanto, posso chamar me mãe, a Mãe Ganga!
A cerimônia saúda a grande mãe Ganga e é realizada todos os dias ao nascer e no por do sol. É incrível ver como essas pessoas dedicam as suas vidas com tanta devoção e amor.
No dia seguinte nós tivemos a honra de participar da cerimônia do nascer do dia, também foi algo incrível e inesperado. Fomos convidados para fazer parte do Mahaa Yagi, ritual do fogo. Nele, acredita-se que podemos queimar e transcender o nosso Karma e também dos nossos antepassados. Foi uma experiência riquíssima poder sentir e mergulhar junto a fé desse povo.
A manhã se completou com uma prática de Yoga tradicional à beira do Ganges, com direito ao nascer do sol, mantra e chai quentinho servido ali mesmo! Agora sim eu posso dizer que senti a Índia e toda a magia e mística desse lugar através dessa experiência direta!
Especialista em Vinyasa Flow Yoga, uma prática forte e dinâmica que traz aspectos tradicionais do Yoga por um olhar mais moderno. Contato:studio@studionataraja.com.br
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