O que é positividade tóxica e como isso pode ser prejudicial
Muita gente sofre pressão para repelir os chamados sentimentos negativos e, assim, esconder o que sente de verdade
Por Bruna Rafaele
Muitas pessoas sofrem por não saberem lidar com a vida tal como ela é, cheia de percalços e tropeços nossos mesmos e também das demais pessoas ao nosso redor, que nem sempre querem dar o seu melhor para nós.
Veja os casos de Ana, José, Joana, Maria e Pedro a seguir. P.S.: São histórias verdadeiras com nomes trocados para proteger a identidade de cada pessoa mencionada.
Assim como eles, você também pode estar, através dessa positividade tóxica, sendo muito radical consigo mesmo e tentando criar uma redoma que repele pessoas de verdade, incluindo o que você sente de verdade.
Diferentes histórias, sintomas comuns
Veja as histórias a seguir – você se identifica com alguma delas?
Ana e a repreensão
Ana nasceu numa família muito religiosa, cheia de tradições a serem cumpridas, que nem mesmo lhe foi ensinada a razão de preencherem seu calendário com tantos atos ligados à fé.
Se sente reprimida, a ovelha negra da família, porque não se identifica com a religião transmitida quase que através do sangue e se sente muito atraída pelo estudo das várias religiões do mundo.
Sendo assim, em situações angustiantes em que ela passa por muita ansiedade, tem que passar falando apenas sobre isso com amigos, porque sua família não aceita que uma pessoa que tenha fé sofra com os imprevistos da vida.
José e o que esconde debaixo do tapete
José, pelo contrário, nega os imprevistos da vida, aquilo com o que ele não consegue lidar e tenta esconder debaixo do tapete
Com isso, acaba criando quase uma vida paralela, entre a que ele expõe aos fiéis de sua religião e aquela em que sente vários sintomas de ansiedade e tristeza profunda, que beira a depressão.
Tudo isso porque finge viver uma vida inteiramente feliz, sem as adversidades ou burocracias que fazem qualquer um ter um dia não tão bom assim.
José luta contra sua compulsão por sexo, porque foi um tipo de válvula de escape que ele criou inconscientemente para saber lidar com situações em que se sente menosprezado como homem.
Sua luta é solitária, em que ele se põe em muitas situações de risco.
Joana e o medo de lidar com a realidade
Joana é do tipo de pessoa que não sai de casa sem ler o horóscopo do dia, que “tem de” estar alinhado com a cor de roupa e o cristal que ela vai usar ao longo de sua jornada.
Apesar de aparentar ser muito otimista, busca ajuda dos oráculos constantemente, inclusive para saber se pode ou não trabalhar em determinado local, com quem se relacionar e se o remédio recomendado pelo médico vai ser bom para ela.
Na sua rotina, não deixa pensamentos ruins ficarem na sua cabeça, porque alguém lhe ensinou que isso faz mal tanto para mente como para o corpo, e se afasta de qualquer tipo de pessoa que acha que vibra uma energia densa.
Só quer enxergar o lado bom da vida. De fato, se limita a ficar seguindo vários tipos de terapias alternativas, enfim, tudo o que é alternativa para não deparar com quem tem que fazer suas escolhas e se cuidar – ela mesma.
Tudo isso fugindo de sua verdade – o seu medo enorme de lidar com a sua insegurança, com sua sensação de incapacidade de superar obstáculos.
De tanto se afastar das pessoas que reclamam, não consegue manter nenhum relacionamento de verdade, só os superficiais, aqueles que só falam de coisas boas.
Maria e Pedro e o que não é dito
Maria e Pedro, aparentemente, vivem o seu relacionamento como se estivessem num sonho. Aproveitam muito do tempo que dedicam à relação, mas tem algo em Pedro que Maria não consegue lidar bem, mas prefere ficar calada, porque acha que ele um dia vai perceber.
Já se passaram mais de 5 anos nesta situação, e Maria se sente cada vez mais incomodada e, ao mesmo tempo, mais calada, porque aprendeu em casa que uma boa mulher não tem que ficar reclamando no ouvido do marido quando ele chega em casa cansado do trabalho.
Ainda assim, ela nunca encontra um melhor momento para se exprimir, até porque fica muito presa ao que lhe foi ensinado, não acha correto falar de algo para o seu marido que pudesse deixá-lo incomodado e triste.
Mas será mesmo que ela vai aguentar ficar neste lugar de panela de pressão dentro da sua própria casa?
Quanto a Pedro, ele sempre percebe uma insatisfação em Maria que lhe frustra muito, porque ele tenta fazer de tudo para que ela se sinta feliz, algo que ela não consegue demonstrar para ele.
Será que este relacionamento vai mesmo continuar neste ritmo de faz de conta ou vai ter os quatro pés na realidade?
Cultura da positividade tóxica
Será que realmente essa cultura da positividade tóxica mostra quem somos de verdade? Certamente, não.
Tentar ter só conversas e pensamentos positivos pode ser uma das piores torturas que se pode cometer consigo mesmo e com os demais ao seu redor.
Isso porque se cria a crença (falsa) de que, ao sermos positivos, podemos construir uma realidade só de situações boas e com pessoa boas, mas, de fato, o que pode ser bom para você pode não ser bom para o outro, certo?
Já dessa diferença, temos maneiras distintas de experienciar o que é viver.
O que é muito incoerente na positividade tóxica é a atitude excludente do que é considerado ruim, que se associa à ideia que temos do que é nocivo e danoso.
Ter pensamentos de que algo parece que não vai dar certo não pode ser recriminado, ou visto como uma condição em que você cria uma situação para que ela dê errado.
Dependendo da pessoa, pode ter relação com seu passado, em que ela foi muito desacreditada por quem a educou. Por exemplo, um professor que duvidou da capacidade dela de ter feito uma prova sem ter copiado a resposta do colega de turma.
Por isso, podemos e precisamos, sim, nos abrir para falar de problemas, do que não vai tão bem assim, de quanto alguém acreditou ou até impôs que um dia nossa vida deveria estar mais nos trilhos em determinada idade.
Enfim, conversar sobre fracassos. Quem nunca teve que lidar com algum?
Inclusive, geralmente, as pessoas que lidam com uma ascensão recorrente acabam caindo muito feio quando deparam com seu primeiro fracasso, seja na vida pessoal ou profissional, ou em ambas ao mesmo tempo.
O autoabandono
Uma das piores dores que se pode causar é o autoabandono.
Isto porque uma pessoa, ao se colocar neste lugar, aceita que qualquer um lide com a sua vida do jeito que quiser, sendo oferecendo migalhas emocionais ou até mesmo pagando um valor muito inferior ao merecido pelo seu trabalho.
A pessoa aceita qualquer coisa que vier do outro sem filtro, sem limite, porque ela mesma não delimitou o que é bom e justo para si mesma.
Essa condição pode ter origem na ideia transmitida através do pensamento positivo, de que “pouco com Deus é muito, muito sem Deus é nada”.
Até pessoas que não acreditam em Deus se veem presas a essa armadilha de acreditar que o pouco que lhe é oferecido é o que ela pode receber de verdade, e tem de ficar ali, sofrendo e calada.
Não se trata de religião, de fé nem de qualquer outro pensamento acima da crença em Deus. Acredito, assim como Freud, que cada pessoa pode ter sua fé, independentemente de qual seja.
Mas acrescento que, para qualquer fé, é preciso ter cuidado para atitudes muito incoerentes sobre amor próprio e renúncia da sua própria verdade.
Então, depois que algo não dá certo, ou seja, não acontece de acordo com uma profecia ou um oráculo, geralmente, as pessoas que não se responsabilizam por suas escolhas culpam quem assumiu o controle de sua vida ao tomar as decisões em torno do que foi dito.
Infelizmente, somos muitas vezes cruéis não só conosco, mas com as demais pessoas, ao tentar consolar alguém que passa por uma situação difícil dizendo: “foi Deus que quis assim”.
Ninguém pensa que isso não é um consolo e que pode soar como uma construção de uma imagem de um Deus mal, que pune mais seus fiéis do que os ampara?
Enfim, cada um pode escolher no que acreditar, mas o mais importante é que a escolha de cada pessoa do que corresponde ao que é fé e divindade diz muito sobre sua maneira de se relacionar consigo mesma, com o respeito a si como uma pessoa capaz de decidir o que quer para si.
Ainda sobre uma pessoa que comete o autoabandono nem mesmo se sente capaz, muitas vezes, de mudar o rumo de sua vida e acredita muito na ideia de destino para explicar os motivos que a levam a sofrer tanto e a não conseguir realizar seus sonhos.
O autoabandono, muitas vezes, se relaciona ao apego à fé e a divindades para explicar o inexplicável, o que não dá certo em sua vida, ou seja, os fracassos tão prováveis de acontecer na vida de qualquer pessoa.
Esses fracassos são capazes de nos mostrar o quanto não éramos tão fracos como pensávamos e descobrir que ao nos reerguer podemos ser muito maiores do que um dia imaginamos.
Desvendando o mito de ser uma pessoa positiva
Ser uma pessoa positiva requer até mesmo evitar determinadas palavras que são consideradas feias e atrativas de energias negativas, como palavrões.
Me lembro de Maria, que nem podia chamar sua prima de “danadinha”, porque essa palavra remetia a algo muito ruim para sua avó. Entretanto, para Maria, era só uma maneira de se referir a uma menina muito inteligente que sabia liderar sua vida.
Esse mito, assim como qualquer outro, é elaborado em cima de um ideal que nunca é atingido. Por isso, é tão tóxico.
Porque mesmo que alguém consiga controlar sua fala e seu pensamento a ponto de só lidar com o que é belo e bom, nega a existência do que é ruim, mas o ruim não deixa de existir, principalmente, se o que te incomoda depende unicamente de você para deixar de existir.
Uma das coisas que mais causam dor numa pessoa é o não dizer, o não se sentir capaz de falar sobre o que é importante ser exposto e trabalhado para que se viva bem em família, em casal e nos outros vínculos sociais.
Além disso, o que mais afasta as pessoas é a dedução que, infelizmente, muitas pessoas acham que o outro tem de fazer sobre o que lhe desagrada.
Mas nem sempre todo mundo tem a mesma percepção ou mesmo está interessado em adivinhar o que o outro sente, certo? Afinal, nem sempre conseguimos acertar neste jogo de adivinhação.
Todos nós temos dias ruins
Dias, momentos, horas, minutos, meses, anos… Enfim, cada um de nós pode enfrentar fases difíceis, períodos menos ou mais longos…
Depende de cada um de nós e, principalmente, depende de como cada um de nós escolhe passar por esses momentos.
Entender que fingir ser perfeito, repleto de positividade e cobrar que o outro também atue assim só estraga as relações.
Ninguém precisa ser igual a ninguém, certo? Então, repensar sua maneira de viver e sentir a vida pode deixar de ser tão cinza, mas também nem tão colorida como você quer pintá-la.
Aceitar bem a realidade faz com que nós possamos reinventá-la de uma maneira mais leve, mais em paz conosco e com os demais ao nosso redor.
Então, por que não buscar ajuda para aprender a lidar com suas questões, com seus nós e dificuldades que te impedem de seguir na realização dos seus sonhos?
Se quiser, pode contar comigo para embarcar rumo a uma realidade melhor de verdade.
Psicanalista, especialista em Saúde Mental. Faz atendimentos presenciais no Rio de Janeiro e consultas online no Personare.
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