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  • Quando mais não é o bastante

    "O Lobo de Wall Street" retrata excessos cometidos na busca por prazer

    Atualizado em

    Que vivemos em uma sociedade consumista todos estão exaustos de saber. Porém, o quanto isso nos afeta, emocional e espiritualmente, talvez não seja tão claro. Afinal, a partir do momento que consumir é um ato diário e corriqueiro, o não-consumir – que seria o caminho de volta à simplicidade e à essência das coisas – se torna estranho, deslocado e muitas vezes é mal visto. E é justamente sobre a expansão desse modo de vida consumista (e sua consequente cegueira moral) que o filme indicado ao Oscar 2014, “O Lobo de Wall Street”, de Martin Scorsese, com Leonardo DiCaprio no papel principal, se apoia.

    A obra é baseada no livro homônimo de Jordan Belfort – o homem real por trás do filme, que ganhou milhões como corretor de títulos da bolsa norte-americana e entrou em decadência na década de 90. Mas de moralidade a história não tem nada, e mostra que enganar as pessoas, abusar de álcool, drogas e sexo não tem nenhum resultado negativo ou punição. É como se fosse algo divino ou humano. Até porque, mesmo preso, Belfort manteve privilégios, ganhou dinheiro com seu livro, deu palestras motivacionais de venda e agora até discute-se a criação de um reality show sobre sua vida.

    Sede pelos excessos é forma de conquistar plenitude não atingida naturalmente

    Porém, o objetivo desta obra cinematográfica, a meu ver, não é trabalhar com conceitos simplistas de “bom” ou “mau”, de “certo” e “errado”. Mas sim retratar a realidade que vivemos, desde que o modelo capitalista se instalou em nossa sociedade. Possivelmente, devido às carências que tivemos ao longo de muitos séculos, com fome, guerras e limitações tecnológicas, viver numa era em que tudo é permitido, devido à abundância e disponibilidade – seja no entretenimento, assim como toda sorte de prazeres sensoriais – ganhar dinheiro se torna um objetivo por si mesmo, excluindo muitas vezes o ideal profissional de querer tornar nosso mundo melhor. Afinal, como ter acesso a este grande parque de diversões, se não tivermos o ingresso dourado em mãos? Ninguém quer ficar de fora. Por isso, o fascínio pode ser tão enlouquecedor, que agir ilegalmente parece aceitável e até justificável.

    A sede pelos excessos é uma forma de conquistar a plenitude que não foi atingida por meios naturais. Desse modo, enxurradas de produtos e mais produtos prometem ajudar as pessoas a realizarem artificialmente objetivos que deveriam ser conquistados pelas vias naturais.

    A sede pelos excessos é uma forma de conquistar a plenitude que não foi atingida por meios naturais. Desse modo, enxurradas de produtos e mais produtos prometem ajudar as pessoas a realizarem artificialmente objetivos que deveriam ser conquistados pelas vias naturais.

    Temos pílulas para dormir, para acordar, para trabalhar melhor e para evitar os sintomas da gripe. Assim como cirurgias estéticas e academias para sermos eternamente jovens; alimentos congelados para não perdemos tempo na cozinha; carros para não nos cansarmos com a caminhada; ar-condicionado para não sentirmos calor; CDs com música de chuva, pássaros e rios, para não termos que viajar ou ir a um parque; bicicletas ergométricas para pedalar sem sair de casa; jogos e TV para não ficarmos entediados; redes sociais para não precisarmos sair com nossos amigos; delivery para não termos que comprar as coisas in loco e, por fim, drogas para atingir estados meditativos, ter mais criatividade ou ainda relaxar.

    O que no começo era um conforto e uma libertação de certos sofrimentos, com o tempo passou a nos anestesiar de praticamente tudo, nos tornando dependentes e passivos, muito amedrontados de encararmos novamente a vida real. Então, preferimos trabalhar 12 horas por dia para manter este padrão consumista que nos foi ensinado e não entendemos porque no fundo nos sentimos vazios, solitários e infelizes. Isso se pararmos um pouco para sentir, pois normalmente quem está preso neste círculo vicioso também está constantemente se distraindo e acreditando que está exultante de felicidade. Não é à toa que grande parte das cenas de “O Lobo de Wall Street” são frenéticas, coloridas, com muita risada, música, diversão e histeria coletiva. Momentos de contemplação e reflexão são poucos e indesejados.

    Protagonista levanta reflexão: vale tudo na busca pelo status?

    Por isso que, se acompanharmos a trajetória de Belfort, veremos que ele substitui uma esposa amorosa e legitimamente apoiadora por uma modelo – cuja utilidade para ele é apenas o sexo e servir de bibelô para os amigos e visitantes. Porém, quando isso não se torna o bastante, ele passa a manter todo tipo de amantes, usando as práticas mais diferentes e inusitadas sexuais. Entretanto, tudo isso se prova insuficiente, já que ele nunca está saciado. A mesma dinâmica acontece com as drogas – Jordan Belford sempre está em busca da substância mais potente, que dará um efeito mais interessante ou a que é mais rara no mercado. O mesmo acontece na sua relação com o dinheiro. Quando o que ganha é tanto, que a ideia de perdê-lo se torna avassaladora, o personagem comete erros absurdos que quase o matam (como querer ir de iate de um país a outro em alto-mar).

    Alguns podem dizer que a vida de Jordan não pode ser comparada a de pessoas “normais” que vivem de seus salários e estão muito longe de ser milionárias e extravagantes. Porém, se analisarmos nossa vida, será que não fazemos o mesmo que este personagem, só que em menor escala?

    Veja alguns exemplos de consumismo inconsciente:

    1. Quando almoçamos em lugares caros, sem que a comida e o serviço se justifiquem – e o fazemos todos os finais de semana.
    2. Quando saímos de casa para comer comida “caseira”.
    3. Quando vamos ao shopping sem precisar de nada e voltamos carregados de sacolas, por causa de uma promoção.
    4. Quando todos os integrantes da família têm um carro, que em grande parte do tempo fica estacionado na garagem. E, quando usado, é para percorrer distâncias curtas ou as quais possuem meios de transporte público adequados.
    5. Quando trocamos de aparelhos eletrônicos todos os anos, mesmo que os novos modelos não acrescentem quase nada em relação aos anteriores.
    6. Quando precisamos fazer uma dívida para conseguir poupar nosso dinheiro ou adquirir algo que queremos.
    7. Quando preferimos gastar mais dinheiro num carro que numa casa.
    8. Quando reclamamos que nosso dinheiro “não dá para nada”, mas não deixamos de adquirir uma série de coisas desnecessárias, como mais roupas e sapatos, maquiagens que só abriremos daqui a três meses, etc.
    9. Quando reclamamos que não curtimos o bastante a natureza, mas ao invés de fazer uma viagem simples, em uma pousada, preferimos ficar em hoteis de grande porte ou em resorts.
    10. uando compramos uma peça de arte cara, apenas para tê-la e muitas vezes sem gostar de arte ou do artista em questão.
    11. Quando pagamos uma TV por assinatura apenas para assistir canais abertos.
    12. Quando gastamos centenas de reais com academia e tratamentos estéticos, mas não paramos de comer fast food, congelados ou frequentar barzinhos cheios de petiscos.
    13. Quando gastamos mais em remédios e consultas médicas devido a problemas que evitaríamos apenas com mudança de hábitos.
    14. Quando temos mais livros do que conseguimos ler, apenas para ter a estante cheia e sentirmos que estamos “antenados” nos últimos lançamentos.

    Onde está a sua felicidade?

    Sendo assim, sugiro que assista às 3h de projeção do roteiro de Terence Winter e observe se, em alguns momentos, você não se imagina vivendo aquela vida, na qual os desejos são facilmente satisfeitos e o mundo não tem limites. Se isso acontecer, não se engane com o sorriso encantador de Leonardo DiCaprio. Pois tal como a beleza dele não é eterna, também é fugidia a felicidade que se constrói sobre status e objetos.

    É claro que ter acesso a tudo que torna nossas vidas mais fáceis é ótimo. O problema é quando “ter a coisa” é mais importante do que o “benefício que ela traz”. É nessas horas que a ilusão se instala e nos aprisionamos no círculo vicioso em que nada basta, nos autodestruindo em compulsões cada vez maiores. Isso ocorre porque a real satisfação do ser acontece internamente. Por isso que, se dependemos de fatores externos para sentir alegria e prazer, nos tornamos escravos. O único jeito de nos libertarmos é aprendendo a separar o essencial daquilo que escapa ao nosso controle.

    Para continuar refletindo sobre o tema

    Vanessa Mazza

    Vanessa Mazza

    Graduada em Comunicação Multimídia pela UMESP, é taróloga há mais de 15 anos. Estuda as abordagens desta prática, com o fim de decifrar a complexidade humana, abrangendo em suas consultas temas como feng shui, i ching, astrologia e numerologia.

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