Quer exclusividade em seu relacionamento?
Saber diferença entre lealdade e fidelidade pode fortalecer relação
Por Celia Lima
Penso que já chegou a hora de deixar a hipocrisia de lado e falar abertamente sobre algo que, se ainda não aconteceu com você, certamente já ocorreu com alguém próximo: a infidelidade. Afinal, você deve conhecer pelo menos uma pessoa que foi “vítima” ou “agente” de “traição” num relacionamento.
Para a maioria das pessoas, o modelo ideal é a relação de exclusividade, principalmente exclusividade sexual. Isso porque essa grande parcela da população acredita que se o indivíduo não transar com mais ninguém além do próprio parceiro ou parceira, é sinal de que ele lhe tem amor e é honesto em seus sentimentos. Na sociedade machista, alguns homens tendem a exigir que essa regra seja cumprida por suas mulheres, mas nem de longe a regra se aplica a eles. O casal estabelece o jogo do “faz-de-conta”, do “você finge que me engana e eu finjo que acredito”. E, dessa forma, seguem a vida até que ocasionalmente se descobre uma amante ou uma pulada de cerca fortuita, mas impossível de não enxergar.
Mas será que esse modelo tem via de mão única? Não, não tem. As mulheres, tanto quanto os homens – se bem que por motivos diversos – também “derrapam” quando o assunto é fidelidade.
Por que as pessoas traem?
No fundo, cada um acredita que tem bons motivos para “trair” e de certa forma conseguem lidar com o relacionamento sem que, na maior parte das vezes, o relacionamento paralelo ou a “escapada” ocasional interfira na vida do casal. Ao menos é nisso que quem “trai” acredita…
Onde reside a hipocrisia? Certamente no tipo de acordo que se faz quando o casal sela um compromisso. Dificilmente se inicia um relacionamento considerando as experiências já vividas e ouvidas. Dificilmente as pessoas se enxergam como seres humanos que são, ou seja, vulneráveis, inseguros, sedutores, carentes e inquietos por explorar novos territórios, por se experimentar. Quando nos propomos um compromisso afetivo com alguém, perdemos a perspectiva do tempo que passa, da rotina que se estabelece, e nos julgamos blindados frente aos infinitos apelos que a vida proporciona e às inúmeras adversidades que surgem decorrentes de uma união que muitas vezes “empurra” uma ou ambas as partes a buscar outro tipo de acolhida em outros braços.
Será que “trair” significa necessariamente ausência de amor, como se quer acreditar muitas vezes? Vamos enumerar algumas poucas razões que motivam a “traição”:
- não sentir-se desejado pelo parceiro
- não sentir-se amado pelo parceiro
- sexo insatisfatório
- descompasso na vida sexual
- vingança (“ele (ou ela) me traiu, então vou fazer o mesmo – mesmo que o outro não venha a saber…”)
- falta de atenção por parte do parceiro
- carências diversas
- desejo de experimentar novas emoções
- dúvidas quanto ao próprio poder de sedução
- pressão social
- dificuldade de reinventar e renovar o relacionamento
- apaixonar-se por outra pessoa
Poderíamos enumerar mais motivos que levam a uma “traição”, mas o fato é que as razões são muito particulares e sempre se justificam aos olhos de quem “traiu”.
Lealdade pode ser mais relevante que fidelidade
É importante partir do princípio de que só existe traição quando se estabelece um acordo de fidelidade, seja ele implícito ou explícito. Sendo assim, qual seria a saída ideal para absorver esse fato, sem se exasperar com o orgulho ferido ou com o sentimento de desamor?
Podemos começar por substituir a palavra “fidelidade” pela palavra “lealdade”. Uma união é muito mais que a ilusão de posse sobre o corpo do outro, e muito mais que a falsa ideia de que somos completos para as necessidades emocionais do parceiro.
Ninguém é tão completo ou tão versátil que possa ser “tudo” para o outro. Sem essa consciência continuaremos no mesmo atoleiro que faz de tantos casais uma dupla de vítima e algoz, sem que de fato eles sejam uma ou outra coisa.
A diferença entre fidelidade e lealdade tem uma sutileza paradoxalmente abissal entre um e outro conceito. Enquanto a fidelidade pressupõe um dever moral, praticamente um contrato cuja quebra tem o sofrimento e a vergonha como punições, a lealdade não se ocupa com regras, mas com a confiança no vínculo de afeto, com valores que tocam as emoções, com um respeito que vai muito além da formalidade estética da fidelidade.
A lealdade pressupõe um grau de maturidade emocional que compreende e aceita a natureza humana sem vulgarizar seus tropeços.
Quando um casal faz um acordo de fidelidade e esse acordo é quebrado, a “traição” leva um à culpa massacrante e o outro a um sofrimento que engloba sentimentos de exclusão, abandono, rejeição, vergonha, raiva, e tantos outros. A digestão é difícil, a desconfiança se instala, e a relação – quando não se rompe – se torna desigual mesmo que o “perdão” aconteça.
Quando o acordo é de lealdade e um dos dois experimentou um relacionamento com outra pessoa, já existe, por princípio, a compreensão, o entendimento de que todos somos suscetíveis, uns mais outros menos, a nos deixarmos levar por alguma circunstância que seduza nossos sentidos. É claro que ciúme e desconforto com o fato de sabermos que nosso parceiro (ou parceira) está ou esteve envolvido em outra história, mesmo que seja passageira, são sentimentos igualmente humanos, não se pode evitar quando amamos. Mas a carga da palavra “traição” não estará presente, o que já prenuncia um diálogo mais sereno e com possibilidades mais realistas de ajustar o relacionamento com mais sinceridade. Sequer a palavra “perdão” cabe, pois entende-se que a compreensão da condição humana prescinde de qualquer perdão.
Ser leal num relacionamento começa realmente com uma boa dose de maturidade que pressupõe, entre outros fatores, optar por viver a vida para si (para o próprio casal) e não para os outros. Já o acordo de fidelidade parece estar atrelado a algum tipo de satisfação à sociedade e o casal se torna passível de julgamento:
- Fulano é um sem vergonha!
- Como ela teve coragem de perdoar a traição?
- Ah, foi traído porque deve ter merecido.
Isso sem contar os comentários mais vulgares e apimentados, como se quem sofreu a “traição” fosse motivo de chacota ou como se quem “traiu” fosse um monstro insensível. Mas, infelizmente, muitos que se veem nessa situação acabam, por imaturidade ou por inércia, acreditando nos rótulos julgadores que fazem parte de uma cultura rasa que já deveria estar ultrapassada.
Diante de uma traição, renove-se
É claro que o ideal seria manter relacionamentos sólidos e exclusivos como forma de nos proteger e de protegermos os sentimentos do outro. Mas é claro também que a vida é dinâmica, nos prega peças, nossos interesses mudam e estamos em constante aperfeiçoamento e adaptação a novas circunstâncias. Muitas coisas que fogem ao nosso controle podem acontecer… e acontecem! Não vivemos um conto de fadas e a realidade é sem dúvida muito mais rica e diversa, cheia de possibilidades que podem enriquecer e fortalecer uniões, ou mesmo promover finais menos sofridos e traumáticos quanto mais estivermos conscientes de nossa condição humana.
Diante de uma “traição”, ao invés de se culpar acreditando que não foi boa (ou bom) o bastante, ao invés de crucificar o parceiro acreditando que ele (ou ela) foi vulgar, procure antes refletir e buscar o diálogo calmo. Abra-se para um olhar mais realista, viva seus tempos de digestão do inevitável desconforto, não se torture querendo nomes e detalhes que só farão a dor se transformar em sofrimento e só provocarão constrangimentos a ambos. Se perceber que existe solidez em sua relação, que existem sentimentos bons que alicerçam a história de vocês, permita-se a chance da renovação não apenas da união, mas especialmente de seus conceitos de vida.
Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.
Saiba mais sobre mim- Contato: celiacalima@gmail.com