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Sonho lúcido: mito ou realidade?

Descubra se é possível controlar o ato de sonhar

Atualizado em

A primeira vez que tive contato com o tema sobre sonhos lúcidos ou conscientes fiquei um pouco pasma. Em pesquisas pela internet cheguei a encontrar, inclusive, produtos que eram comercializados com a promessa de que os sonhos poderiam ser controlados pelo sonhador. A ideia de sonho (inconsciente) relacionado à lucidez me pareceu um pouco absurda. Em seguida, uma pergunta se formou em minha mente: para que eu iria querer controlar um sonho?

Comecei a procurar algum embasamento científico sobre o assunto, a fim de compreender se isso era possível e qual seria a finalidade. A Psicologia Analítica dá toda a justificativa teórica para esta questão dos sonhos, pois eles são a “conversa” entre o consciente e o inconsciente. Mas se o consciente está presente controlando o inconsciente, não há conversa, e sim um monólogo.

O olhar da Psicologia Analítica lida com o inconsciente e seus produtos de maneira respeitosa. Por isso, falar sobre sonhos lúcidos é falar sobre uma ideia que soa muito mais comercial do que, de fato, terapêutica. Tristemente percebi muito mais uma tendência humana de criar mecanismos de controle sobre o natural do que uma tentativa de aproximar o sonhador de seu próprio inconsciente, sua própria natureza.

A natureza vem padecendo da ilusória e doente ideia de controle do ego humano. E controlar um sonho seria como arrancar árvores de uma floresta, poluir um rio com química ou o ar com fuligem. Seria negar a própria natureza humana.

Algumas características da consciência e do inconsciente

Consciência

  1. É intermitente, isto é, não consegue se sustentar de forma permanente, constante. Não é possível ter consciência de tudo o tempo todo.
  2. A consciência tem a propriedade de focar a atenção, enquanto todo o resto é inconsciente. Essa ação é dinâmica e mutável.
  3. Tem por núcleo o ego (controle, escolha, vigília, a noção de EU, etc.).
  4. É a parte do aparelho psíquico que conhecemos via contato com a realidade, que sabemos e percebemos.

Inconsciente

  1. – É o substrato primordial da psique e sempre existiu. Nele estão contidas todas as experiências humanas (arquétipos), os instintos, as impressões subliminares, etc.
  2. – Dele nasceu a consciência por meio de inúmeras resoluções espontâneas de conflitos que forçavam o inconsciente a buscar equilibrar-se.
  3. – É autônomo e funciona juntamente com a consciência em prol da totalidade psíquica. Ele não exclui a consciência, mas sim precisa dela para que a personalidade possa integrar os opostos e assim equilibrar a psique.
  4. – Produz símbolos e sonhos que fornecem recursos para que o sonhador possa ter um conhecimento mais profundo de si mesmo e, dessa forma, resolver seus conflitos de acordo com o equilíbrio psíquico.

Ora, se estamos falando de duas instâncias tão diferentes em tamanho, força e constância, como podemos pensar que nossa consciência, mais especificamente o ego (que é tão parcial, tão incompleto quando isolado da totalidade da psique), possa querer controlar e submeter a fonte que o alimenta de maneira espontânea e suficiente? Ao meu ver, seria um grande e antinatural equívoco.

Ego Onírico: a personalidade que participa do sonho

Há uma personalidade consciente dentro do sonho. Entretanto, não podemos confundir a personalidade do sonho com a nossa personalidade vigil, ou seja, acordada, desperta. Há o ego onírico, isto é, um eu que observa e participa do sonho. Ele vivencia as situações que o inconsciente utiliza, para poder comunicar à consciência o que a alma do indivíduo precisa para tornar-se cada vez mais completa.

Compreender-se sonhando dentro do sonho é a constatação de uma personalidade que está presente no sonho, mas não que comanda o sonho. Vivencia o sonho, mas não o controla. O próprio fato de perceber que está sonhando é material onírico, ou seja, é material do próprio sonho.

Compreender-se sonhando dentro do sonho é a constatação de uma personalidade que está presente no sonho, mas não que comanda o sonho. Vivencia o sonho, mas não o controla. O próprio fato de perceber que está sonhando é material onírico, ou seja, é material do próprio sonho.

Mas, afinal, para que servem os sonhos?

Se a função do sonho é a de estabelecer uma relação entre inconsciente e consciência a serviço da totalidade psíquica, como posso acreditar que serei capaz de controlar algo que excede tudo o que eu sei? Lembremos que o inconsciente é muito importante, pois ele fala daquilo que não sabemos. Ele comunica à nossa personalidade consciente o que é necessário para o todo, e não somente para o ego.

Sonhar já permite o acesso a recursos internos. Sonhar e lembrar, tanto melhor. Sonhar e contar para alguém aprofunda o acesso aos recursos. Sonhar e contar para alguém a fim de amplificar a compreensão do sonho é o ideal.

Superestimar demais o ego é afastar-se da natureza psíquica que possui seus próprios propósitos e funcionamentos. Tudo passa a ser uma questão do ego do homem contra seu próprio inconsciente. Nesse sentido, a ciência presta um desserviço à psique, esquecendo-se que há caminhos naturais para a vida, que são fornecidos pelo inconsciente. Sonhamos com o que é relevante para a psique. Os sonhos não estão a serviço do Ego, mas a serviço do equilíbrio psíquico.

Thaís Khoury

Thaís Khoury

É psicóloga clínica e utiliza a interpretação dos sonhos, a calatonia e a expressão criativa em seus atendimentos. Também é vegana e fundadora do Veganíssimo, empresa que produz alimentos 100% vegetais.

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