Disfunção sexual e os efeitos do vício em pornografia
Estudo afirma que pessoas viciadas em pornografia mostram atividade cerebral semelhante a alcoólatras ou viciados em drogas
Vamos abrir esse papo afirmando que vício em pornografia é um assunto é sério, é grave e não é recente. Para se ter uma ideia, a Universidade de Cambridge, Londres, em estudo de 2013 ¹, já nos trouxeresultados alarmantes sobre essa questão, tendo inclusive se transformado no tema de um documentário Porn on the Brain, de 2013.
O Estudo afirma que “pessoas com vício em pornografia mostram atividade cerebral semelhante a alcoólatras ou viciados em drogas”.
A cientista-chefe Dra. Valerie Voon, do Departamento de Psiquiatria, afirma: “Encontramos uma atividade maior em uma área do cérebro chamada estriado ventral, que é um centro de recompensa, envolvido no processamento de recompensa, motivação e prazer.”.
E segue: “Quando um alcoólatra vê um anúncio de uma bebida, seu cérebro acende de uma certa maneira e é estimulado de uma certa maneira. Estamos vendo esse mesmo tipo de atividade em usuários de pornografia.”
Proponho analisarmos isso a partir de alguns questionamentos, vejamos: Todos estamos fadados ao vício em pornografia apenas por sermos usuários dela? Claro que não.
Não se torna um viciado apenas por se servir da pornografia, há que se considerar fatores individuais tais como pré-disposições orgânicas, tal qual assola o dependente químico (e isso já agradecemos ao estudo acima).
Isso já nos explica porque alguns fazem uso recreativo de álcool e até mesmo drogas ilícitas por anos e simplesmente a abandonam, enquanto outros amargam a dependência as vezes após o contato recreativo em um único final de semana.
A pornografia hoje encontra no mundo virtual a sua morada, haja vista a falência de revistas masculinas e o sumiço das poucas femininas (se é que um dia existiram de fato).
Portanto, fatores como a facilidade de acesso a internet, a diversidade de opções, a impossibilidade de exaurir a busca (12% dos sites na internet são voltados para a pornografia, cerca de 76,2 milhões de sites), são elementos que devem se juntar a sinais de alerta a quem já acha estranho a sua relação com a pornografia ou de quem já sente os danos da utilização da mesma.
Aqui me refiro não apenas ao próprio “dependente”, mas aos pais, às companheiras ou companheiros que, de algum modo, muito além de terem percebido uma mudança de comportamento na pessoa com quem se relacionam, já estão sendo afetados diretamente pelos efeitos do vício em pornografia.
Como se determina quem tem vício em pornografia?
Essa questão é delicada, e possui resposta aberta a diversas outras possibilidades, vamos explorar algumas.
Em primeiro lugar, deve-se avaliar o nível de sofrimento próprio com a utilização da pornografia e o auto-prazer.
Avaliar como a sua forma de se relacionar com o mundo e com o outro estaria sofrendo prejuízo com a sua necessidade de pornografia, é uma questão importante para este indivíduo.
Muito provavelmente, se a resposta for sim, ou seja, se você ou quem convive com você já estejam percebendo prejuízos sociais ou sofrimento, muito provavelmente você já está sendo afetado pela necessidade de acessar a pornografia, torna-se sério candidato ao vício em pornografia.
Veja, há pessoas que chegam ao absurdo de não mais se relacionarem com outras, pois as trocou pelo mundo virtual, suas fantasias e suas infinitas ofertas.
Indivíduos assim chegam a uma idealização tão grande da sua forma de sentir prazer, uma super dependência dos desejos do “EU”, que o outro se torna desinteressante, de fato o outro pode se tornar até um problema, pois será o agente da repressão de seu prazer livre vivido na pornografia, esta, sua companheira que jamais o julgará.
Tudo faz parte de uma mistura de um exercício do auto-prazer pela pornografia, e uma forma de fuga dos grandes desafios do encontro com o outro (alteridade), portanto, engodos que também cobrarão o seu preço, muito provavelmente com sofrimento.
Relatos de psicólogos e psiquiatras especializados em sexualidade humana, assim como a minha experiência em consultório, trazem indivíduos entre 25 e 30 anos representando a maior faixa etária de incidência desse vício.
Contudo, esse problema pode atingir a todos, e o fator em comum para essas pessoas buscarem ajuda profissional para se livrarem da pornografia é a necessidade de voltar a sentir desejo pelo outro.
Outro fator importante é quando estes indivíduos estão sendo cobrados pelas parceiras e pelos parceiros atuais, pois estes se sentem abandonados na relação, trocados por um concorrente intangível.
Os relatos dos potenciais viciados em consultório são: ausência de desejo, de algum modo sentem falta do contato físico com o outro, contudo não sentem o desejo sexual pelo outro, homens deixam de ter ereção (disfunção erétil), ou mesmo perdem a capacidade de terem orgasmos (anorgasmia).
Há também a ausência de libido, por não mais possuírem desejo sexual a compartilhar no encontro com o outro e outra, há quem machuque os seus genitais com o excesso de masturbações, verdadeiros esbulhos do próprio corpo.
Esses são apenas alguns exemplos de disfunções sexuais em função da pornografia. Vale aqui uma observação sobre a incidência do vício ser bem maior em homens do que em mulheres.
Pesquisas apontam que apenas 10% dos homens afirmam não ter buscado pornografia na internet (eu ainda acho que temos mentirosos respondendo aí), enquanto que nas mulheres, cerca de 30 a 40% afirmam que nunca acessaram.
Isso se deve a grandes diferenças entre homens e mulheres na relação com o prazer, com o corpo e com a sociedade (modo como são criados).
Não temos espaço aqui para nos aprofundarmos nisso, no entanto, alguns fatores se destacam.
O homem é muito mais afetado pelo estímulo visual do que a mulher. A mulher, por sua vez, é mais sensível ao toque, gosta da conquista, da sedução.
O homem possui uma relação com a masturbação infinitamente mais desenvolvida do que a mulher, isso, claro, se deve a um sistema patriarcal repressor que nos doutrina, desde crianças, a sermos diferentes na relação com o corpo.
A começar pela diferença anatômica do órgão genital que, no homem, por ser mais fácil o acesso, faz com que ele desde pequeno brinque com o seu pênis e, ao ser flagrado, recebe a indicação de fazer isto em outro lugar, inclusive de suas mães.
Enquanto as mulheres, além da dificuldade no toque, ao serem flagradas nesta curiosa busca pelo prazer na infância, recebem “aquela” bronca, muitas vezes seguidas dos absurdos: “uma moça não faz essas coisas!”; “isso lá são modos de uma menina!?”, e outros blá-blá-blás, muitas vezes de suas próprias mães.
Enfim, caso a caso é a melhor forma de definirmos quem é o viciado, a busca pela ajuda é um excelente caminho, a começar, indicaria eu, pela própria companheira ou companheiro, depois por profissionais da área para que se defina o dilema de – uma coisa é consumir pornografia, outra é ser consumido por ela – o vício.
Abrir mão do sexo com outra pessoa e seguir para o virtual
O que devemos sempre buscar aqui é identificar ou não o sofrimento, ou seja, podemos até dizer que sim, é aceitável, desde que a pessoa, ou quem com ela divide a vida sexual, não sofra com isso.
As orientações sexuais humanas são muito mais variadas do que pensamos, não se resumindo a estar atraído pelo sexo oposto ou o mesmo; a sexualidade humana é campo vasto, de exploração dificultada e infinita.
Há, por exemplo, uma corrente a favor do prazer solo eterno, chamada “Autosexuais” que, apesar de ser uma classificação antiga, anterior a internet (em 1989, o terapeuta sexual Bernard Apfelbaum criou o conceito de “autosexualidade”, definindo-o como a dificuldade em sentir atração sexual por outras pessoas), devemos respeitar, antes de aceitar as possibilidades de prazer, sem o outro, como algo definitivo na vida de alguém, devemos sempre buscar haver, ou não, sofrimento próprio ou do(a) parceiro(a).
O que seria pornografia?
Bem, em dias atuais fica difícil cravar o que exatamente é pornografia ou apenas um exercício do seu prazer. Se formos percorrer historicamente a pornografia, aí fica mais difícil ainda.
Houve épocas em que a masturbação em si já era considerado um ato pornográfico, uma mulher de biquini de duas partes na praia era um atentado ao pudor, uma mulher se dizer livre para o sexo era um atentado ao estado, que não nos deixe mentir Leila Diniz, tida como a mulher que libertou o Brasil em plena ditadura militar, cunhando frases tais como:
“Eu posso dar para todo mundo, mas não dou para qualquer um”; “Sobre a minha vida, o meu modo de viver, não faço o menor segredo. Sou uma moça livre”; “você pode amar muito uma pessoa e ir para a cama com outra. Já aconteceu comigo”.
Essa mulher, que precocemente nos deixou aos 27 anos de idade, pregava apenas a liberdade da mulher, e isto, muito além de ser considerado pornografia, era considerado um perigo a ordem estabelecida pelo estado, à época o odiento regime militar, que inclusive asseverou a censura a imprensa após entrevista da Leila Dinis ao Pasquim, censura essa tratada à boca pequena de “Decreto Leila Diniz”.
Vejam, a mais alta perseguição ao direito de sentir prazer como escolhemos sentir, uma simples liberdade individual sem obrigar ninguém a pratica-la consigo, sem que o nu fizesse parte, era, no final dos ano 1960 e início de 1970, me perdoem o termo “pornografia da “braba”.
Isso porque não temos tempo aqui neste artigo tempo para adentrar nas questões de gênero, muito provavelmente vítimas de uma confusão e conflito com pornografia até hoje. Quem sabe podemos trazer um novo artigo abordando essa temática da pornografia no tempo, classes e gêneros.
Enfim, o que é ou deixa de ser pornografia, por ora não conseguiremos fechar uma definição ou rol, de fato a pornografia existe da forma que o filtro de cada um enxerga a sua vida e percebe o mundo, tudo, claro, sobre a influência do local que cada um habita, das pessoas que nos influenciaram e uma infinidade de outros fatores, portanto, vamos nos ater aqui, neste artigo, em como isso afeta a nossa vida, a do outro e a sua relação com o outro, o tripé de uma relação.
Pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o que é natural no sexo, ou seja, legal e sadio, é o que você faz com alguém, desde que não cause dano físico moral ou psíquico, nem a si nem ao outro, e claro, desde que terceiros não sejam prejudicados.
O professor Leandro Karnal afirma que no sexo, tudo pode, desde que os envolvidos estejam de acordo, sejam maiores e capazes (pleno gozo de suas faculdades mentais).
Bem, como sou especialista em Relacionamento e Sexualidade e terapeuta, minha dica seria sempre buscar ser o mais verdadeiro possível, não só consigo, ou seja, a partir da liberdade que conseguiu alcançar no prazer sentido através da pornografia.
Procure ser verdadeiro com o outro, ou seja, busque expor ao outro o que te faz buscar a pornografia: O que você busca lá que não tem aqui? Que tipos de fantasias despertam a sua libido e o atraem para longe do seu parceiro ou parceira? O que te faz lançar-se num mundo que pode, além de jogá-lo na solidão, viciá-lo ao ponto de lhe fazer sofrer com crises de abstinência incapacitantes?
Troque essas e outras questões com a sua ou seu parceiro(a). E mais!
E aqui ouso dizer que seria o clímax da solução ao compartilhar esse problema. Por que não incluir sua pessoa parceira em suas fantasias? Por que ela ou ele não podem ser os astros reais, tangíveis do seu prazer? Convide-o(a) para o seu mundo.
Sabemos estar diante de questões delicadas, geralmente dificuldades vividas sozinho por toda uma vida, principalmente para casais de idade mais avançada, são tabus difíceis de transpor por uma juventude que procura a sua liberdade, mas não acha as informações, não encontra apoio em seus genitores e nem eco nos seus pares.
Mesmo assim, insisto, em um relacionamento, só a verdade tem espaço para a saúde da relação em seu âmbito mais profundo, respeitando-se sempre a individualidade dos três “entes”da relação: O Eu, o Tu e o Nós.
O vício em pornografia pode causar disfunção sexual?
Vários, como vimos acima, contudo, precisamos estar atentos também aos malefícios à sexualidade do indivíduo pelo uso indiscriminado da pornografia, questões paralelas as disfunções sexuais reais, diretas, incapacitantes em não permitir que a pessoa mantenha relações sexuais comuns, vejam.
Um dos malefícios do vício em pornografia pode acometer a pessoa que ainda não iniciou a sua vida sexual com outra pessoa, pois este será apresentado a um universo fantasioso, ficcional, ou seja, o jovem é lançado para um mundo de performances fantásticas (fruto de meticulosas edições), genitais fabulosas, enormes para os homens, dotados de uma capacidade de horas e horas de atividade sexual ininterrupta (viagras e seus parceiros), orgasmos fabulosos para as mulheres que lá sempre alcançam êxitos histriônicos, geralmente em parcerias caricaturizadas, que em nada representam a realidade das relações sexuais, quanto mais as primeiras, isto não favorece o exercício das alteridades no futuro encontro com o outro, aos gêneros, as preferências de fato.
Muito provavelmente haverá uma grande confusão na formação da sexualidade dessa pessoa, ainda inexperiente com a prática sexual, no contato com o outro.
Ela muito provavelmente se voltará para o próprio corpo e irá contestá-lo, irá cobrá-lo de algo não ser possível fornecer, mais ou menos como se uma criança assistisse a um filme do super homem e realmente acreditasse que pode voar, das duas uma, ou tentará esse voo e vai se estatelar, ou ficará angustiado, se sentindo menor, incapaz de oferecer o que estão esperando de si.
É claro que estamos diante de disfunções sexuais latentes, muito provavelmente essa pessoa deixará de buscar o outro, procurará na pornografia uma autossuficiência mas, de fato, estará diante de uma autolimitação, pois ao se forçar a achar isso suficiente, de fato estará se escondendo do possível vexame, da incapacidade de estar à altura do que pensa ocorrer no mundo sexual.
Para os mais experientes, limitados na incapacidade de compartilhar as suas fantasias buscadas no mundo da pornografia com seus e suas parceiros(as), tal qual trouxe acima no artigo como sendo uma dica fundamental para relacionamentos sadios, duradouros e profundos, acabam por ter a sua vida sexual em duas esferas absolutamente diferentes, uma, seria o sexo que ele ou ela fazem com os seus parceiros(as), e a outra o sexo que de fato gostam.
Já me despedindo, penso ter ficado claro que o mundo da pornografia é um mundo de fantasia, logo, viciar-se em pornografia é viciar-se no que de fato não existe, na ficção, portanto, viver da fantasia é apoiar a sexualidade no intangível, é isolar-se do mundo real, é abrir mão do outro e, sem o outro, sem a troca, seríamos um eterno resumo de nós mesmos, pouco dentro de uma infinita possibilidade de outros Eu’s individuais, cada qual a seu modo, com suas e seu universo individual a ser explorado – abrir mão do outro é se apequenar.
Freud, ao tratar da fantasia, afirmava que nós com ela perpetuamos uma certa sensação de liberdade à qual fomos obrigados a renunciar em função da realidade que nos foi apresentada e imposta.
Racionais que somos, dotadas de uma enorme capacidade de abstração, igualmente capazes de controlar nossas vontades (aqui também podemos ler reprimi-las), permanecemos com a atividade da fantasia, ela atuaria como uma fuga para um universo onde finalmente seríamos livres e poderíamos viver tal qual desejamos, tal qual sentimos, tal qual nos afetamos com mais prazer, uma espécie de recanto legado ao instinto, sem repressão, tal qual a um animal selvagem, um lobo que uiva para a lua sem jamais ouvir: Xiiiiiiiiuuuu!!!!
Nascemos com enorme naturalidade sexual, com uma relação livre com o nosso corpo, contudo, não somos livres para sentir, nunca fomos e talvez nunca seremos, por isso temos essa nossa inata reprimida e, muito provavelmente, a fuga para a internet e seu universo pornográfico também é uma fuga à essa repressão.
Tenho a esperança, como estudioso da sexualidade humana, que não deixemos de explorar os nossos desejos, as nossas fantasias, mas que tenhamos a coragem de compartilhá-la, aí,duvido que dois corpos excitados diante de uma tela, a troquem pelo encontro aquecido do
render-se ao outro.
Que tenhamos um mundo de fantasias compartilhadas, do êxtase viciante pelo cheiro do outro, da alegria inconteste de uma gargalhada abafada por um beijo, do poder de cura de uma abraço de uma noite inteira.
Artur Vieira é Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade; Estudioso da Ciência da Felicidade e Psicologia Positiva; Sexólogo e Terapeuta, especialista em Relacionamentos e Sexualidade; Co-fundador do Centro de Estudos da Felicidade; Palestrante sobre Felicidade, sexualidade humana e relacionamentos; Graduado em Psicologia Positiva pelo Wholebeing Institute, certificação internacional, e Felicidade e Bem-Estar pela Universidade Positivo; possui GBA (Global Business Administration) em FELICIDADE - transformando pessoas e organizações pelo ISAE/FGV - Curitiba; Professor convidado da Universidade Estadual do Maranhão no programa Educação para o envelhecimento e advogado.
Saiba mais sobre mim- Contato: arturvieirafilho@gmail.com