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Violência Doméstica: do silêncio à agressividade física

Ações psicológica ou fisicamente abusivas podem estar acontecendo bem ao seu lado. Aprenda a identificar e como ajudar as vítimas de violência doméstica.

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Quantas vezes já ouvimos de quem sofre violência doméstica justificativas como: “Ele estava nervoso”, “Ela é assim mesmo, eu entendo”, “É só quando ele bebe”, “Foi um tombo que eu levei”, “Eu retirei a queixa”, “mas a gente se gosta”.

Por outro lado, agressores também se justificam com frases como: “Ela me provoca”, “Eu já avisei, ela que não quis ouvir”, “Eu tinha bebido, normalmente não agrido ninguém”, “É por amor, sou ciumento mesmo”, “Quem mandou fazer daquele jeito?”.

Quantas vezes percebemos crianças quietas, tímidas, agressivas, envergonhadas? Quantas vezes ouvimos pais e mães justificando surras e humilhações, gritos horríveis e castigos injustos dizendo que apanharam muito e estão vivas, que uma surra não mata ninguém, que batem para educar? É preciso conversar sobre as emoções com as crianças. Aprenda como ensiná-las a lidar com seus sentimentos.

Quantas manchetes diárias relatam “acidentes” com facas, com ácido, com queimaduras, com armas de fogo e mortes resultantes de violência doméstica? Que caminhos vítimas e agressores percorrem para chegar nesse estado de coisas?

A violência doméstica às vezes é tão sutilmente devastadora que nem nos damos conta de que se trata de violência. Isolar alguém do diálogo, do convívio, deixar a pessoa no ar em suas demandas, ignorar um ente da família fazendo com que ele se sinta invisível é tão agressivo psicológica e emocionalmente quanto uma surra. Você sabia que há diversos tipos de relacionamento abusivo? Saiba como identificar.

A normalização da violência

Precisamos falar do universo da criança e do adolescente que sofrem violência por parte de seus pais ou cuidadores. O que sentem essas crianças? Por um lado sentem culpa. Não é raro a criança acreditar que mereceu a surra, o castigo físico, porque enquanto o castigo acontece as palavras duras chegam junto: “Você não faz nada direito”, “É você que me deixa nervoso”, “Você não obedece”, “Você estraga tudo”. Sem contar acusações vulgares que mexem com as verdades dos pequenos.

Por outro lado, o sentimento de raiva pela injustiça a que estão sendo submetidas toma conta de suas emoções juntamente com o sentimento de impotência. No fundo ela já entendeu que não há nada que ela possa fazer para evitar as surras físicas e verbais. Essa criança tem sua autoestima destruída, não se considera boa o suficiente em nada, se sente feia, suja, desajeitada, envergonhada diante dos colegas, se sente diminuída. Esses sentimentos afetarão seu jeito de amar na vida adulta.

Vai se tornando uma criança triste, medrosa, muitas vezes começa a mentir como forma de evitar castigos e de se proteger ou torna-se também uma criança agressiva fora de casa como mecanismo inconsciente de se “vingar” dos pais na figura de colegas ou mesmo professores, como forma de dar vazão à sua raiva acumulada e, no fundo, ela deseja compreender o que sente o adulto que a maltrata.

As artimanhas do inconsciente

O fato é que ao longo de anos de abuso, o indivíduo vai desenvolvendo suas crenças a respeito de como funcionam as relações e, normalmente, entende que é preciso haver conflito para que os relacionamentos aconteçam.

Por mais que essas crianças e adolescentes digam a si mesmos que não serão agressivos ou abusivos quando forem adultos, por mais que se prometam que nunca mais vão aceitar maus tratos, essas crenças e valores estarão tão enraizados que o mais comum é que se tornem adultos abusivos, frágeis, cheios de medos e quase incapazes de lutar contra os modelos estabelecidos e conhecidos.

As pessoas tendem a fazer escolhas que lhes sejam familiares, seja reproduzindo o modelo de violência ou de subserviência, de vítima ou de algoz, por vezes alternando esses papéis. São indivíduos que não conheceram a paz, a justiça e a serenidade em suas infâncias, praticamente não sabem viver fora da expectativa de brigas e desconforto emocional.

Por vezes, os raros períodos de mansidão nas relações as fazem acreditar que algo está errado, confundem com falta de interesse do parceiro ou da parceira e, sem se darem conta, logo vão procurar um ponto de tensão que as faça retomar o conhecido padrão de relacionamento.

A criança tende a acreditar que ela é a razão da explosão de fúria do adulto. Ela é a culpada. E esse sentimento de culpa perdura nas relações adultas. Uma das partes entendeu que acusar o outro por algo é a maneira mais fácil de não se responsabilizar por suas atitudes enquanto a outra parte vai continuar se esforçando eternamente para se corrigir na expectativa de, finalmente, ser merecedora de afeto, consideração e reconhecimento.

O ciclo “culpa x esperança” se repete indefinidamente: “Eu devia ter ficado quieta, ele foi agressivo porque eu disse o que não devia.” E depois da briga o agressor diz que não queria ter agido daquela forma, mas foi obrigado, se descontrolou… Assim, depois das desculpas, a esperança entra em cena: “Ah… ele reconheceu que exagerou, chorou, pediu desculpas… agora tudo vai mudar!”. Só que não muda.

Algumas agressões são imperceptíveis aos olhos da sociedade porque as marcas estão na alma. Já outras estão no corpo e nem sempre a vítima diz a verdade quando indagada. Ela tem medo porque sofre ameaças, tem medo porque está frágil, porque não vê saída ou em última instância ainda acredita que mereça os maus tratos.

Os desdobramentos psicológicos e emocionais da violência doméstica são inúmeros: sequelas físicas, abandono de si mesmo, depressão, crises de ansiedade, uso de drogas, autoflagelo, reclusão social, comportamento agressivo, insegurança crônica e tantos outros frutos dessa devassidão imposta na maior parte das vezes durante a infância e juventude e que se perpetua na vida adulta com outros personagens.

Qual o papel da sociedade em casos de violência doméstica?

Ficar alheio às evidências de maus tratos é praticamente ser cúmplice. Isso porque existem meios seguros de denunciar ou de intervir sem correr riscos. Para qualquer canal abaixo, o anonimato é garantido segundo as fontes citadas.

A violência contra a mulher pode ser denunciada pelo 180, pelo Aplicativo Direitos Humanos Brasil, disponível também pelo Telegram. Através desses canais pode-se receber orientações de como proceder para denunciar os abusos. No 180 pode-se obter informações sobre a Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher, Defensorias Públicas entre outros canais de apoio.

Acione o número 100 para denunciar violência contra crianças e adolescentes, mas os canais de denúncia abaixo estão também abertos para todo tipo de violência que se queira denunciar:

Polícia Federal – 194

Polícia Militar – 190

Polícia Rodoviária Federal – 191

Safernet (crimes na internet, como pornografia infantil e tráfico de pessoas) – safernet.org.br

Cada Estado possui um Centro de Apoio Operacional – CAO – que atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes e basta uma busca na internet para obter o número.

Um olhar atento pode evitar um mal maior

O papel dos professores na vigilância da integridade das crianças é fundamental. Mudanças de comportamento, isolamento de outras crianças, dificuldade de aprendizagem, agressividade, tudo é passível de uma conversa gentil com as crianças e com os pais. Crianças que sofrem abusos sexuais em casa, castigos físicos, tendem a se calar, geralmente são ameaçadas e sentem medo e vergonha. É preciso conduzir o assunto com cuidado, mas jamais se omitir.

Nas relações sociais, de amizade e mesmo familiares, são vários os indícios de que um amigo ou amiga, um coleguinha do filho, uma irmã ou prima possam estar sofrendo algum tipo de violência doméstica.

Mulheres que apresentam hematomas recorrentes e costumam dizer que são desastradas e vivem se batendo em móveis, mulheres e crianças com braço ou outro membro quebrado, que citam quedas frequentes, homens e mulheres que mudam de comportamento repentinamente, que ficam isolados da comunidade em que vivem, de reuniões sociais, que eventualmente falem em desesperança e até mesmo em suicídio, merecem atenção.

Sim, homens também sofrem abusos, normalmente verbais, são desqualificados, desprezados, diminuídos e como a rede de acolhimento para os homens é significativamente menor por questões até culturais, muitos também podem estar precisando de ajuda.

Sentir-se à vontade para perguntar a um amigo ou amiga se está tudo bem, dizer que nota os machucados físicos ou a alteração nos ânimos, pode não ser tão difícil assim. Basta ser gentil, oferecer-se para uma conversa para que a pessoa possa se abrir e encontrar abrigo emocional numa situação limite que muitas vezes ela não tem coragem de falar. Oferecer apoio, orientar a buscar ajuda mais efetiva, tudo pode colaborar para que pessoas em situação de violência doméstica consigam se libertar desse aprisionamento.

Se você ou alguém que você conhece é vítima desse quadro, se não consegue enxergar uma saída, se tem medo, se precisa desabafar e não sabe por onde começar, procurar ajuda terapêutica já é um bom começo. É preciso se fortalecer emocionalmente para romper com padrões de convivência abusivos, para se libertar de crenças limitantes que às vezes empurram famílias inteiras para um abismo de dor, frustrações e mágoas.

A violência doméstica não conhece classe social, econômica, etnia, orientação sexual, idade ou religião. Ela está presente em todas as camadas sociais. A omissão não é um caminho aceitável.

Celia Lima

Celia Lima

Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.

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