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Dependentes de amor e sexo

Tratamento baseia-se no programa de 12 passos dos Alcoólicos Anônimos

Atualizado em

Em 2013 foi lançado nos Estados Unidos o filme “Thanks for Sharing”, que receberá o título “Terapia do Sexo” quando for exibido no Brasil, em setembro de 2014. Apesar de ser apresentado como uma comédia romântica, a história não tem nada de engraçado e trata com delicadeza e seriedade de um tema que é tabu na nossa sociedade erotizada: a luta de pessoas dependentes em sexo, para libertar-se desse vício. A história se passa entre quatro protagonistas, em diferentes fases de recuperação da dependência, mostrando seus anseios, suas inseguranças e sua determinação em superar uma doença que é mais forte do que sua vontade consciente.

Quando pensamos em um vício, logo imaginamos alguém que é dependente de alguma substância, como o álcool ou alguma outra droga que afete sua mente. Para quem não é dependente, a solução parece simples: afastar-se da substância da qual depende. Mas na realidade isso é sempre extremamente difícil.

No caso da dependência em sexo, ainda há um agravante, já que o sexo faz parte de uma vida saudável. A dependência não é exatamente do ato sexual, mas de padrões de comportamento em relação ao sexo, que fogem ao controle da pessoa que torna-se dependente.

A dependência não é exatamente do ato sexual, mas de padrões de comportamento em relação ao sexo, que fogem ao controle da pessoa que torna-se dependente.

Ela vira escrava desse padrão de comportamento, sofrendo e causando consequências danosas a si mesmo e a quem se relaciona. Pode ser uma busca incessante de parceiros(as) sexuais fora do casamento, masturbação compulsiva, sexo com pessoas desconhecidas, para citar algumas possibilidades. E isso independe da frequência, sendo muito mais importante a sensação de estar sendo levado, como uma força que impele a pessoa a buscar tal comportamento. O viciado em sexo sente que não tem escolha, pois fica à mercê desse desejo de repetir o padrão.

Muitas vezes, a pessoa dependente em sexo tem a ilusão de amar alguém, como um mecanismo para obter sexo e evitar seus sentimentos de culpa. Na maioria das vezes seu amor é pelo ato sexual em si e não pela outra pessoa. Muitos dependentes encontram histórias desse mesmo comportamento compulsivo em pais, tios ou avós, ou mesmo outras dependências, como alcoolismo ou dependências de drogas (proibidas ou não) – o que sugere que há um mecanismo biológico por trás desses padrões repetitivos. Muitos têm histórias de abusos sofridos na infância, sejam sexuais ou não, como surras ou xingamentos.

O comportamento se perpetua pela ilusão da pessoa que o sofre, de que pode ter controle sobre ele, mas geralmente esse controle ineficaz gera situações que causam vergonha, constrangimento, mágoas, doenças ou até morte. A vergonha e a culpa muitas vezes levam ao isolamento, que dispara a vontade de novamente atuar de acordo com sua compulsão.

Muitos tentam modificar seus padrões por conta própria, e as seguidas recaídas vão minando sua autoconfiança, marcando sua autoimagem com o carimbo de fracassado, incompetente, sem caráter, e outros adjetivos ainda mais nocivos. Como a autoestima habitualmente já é o seu “calcanhar de Aquiles”, isso também leva ao círculo vicioso de atuar dentro do padrão compulsivo, sentir-se cada vez pior e compensar atuando novamente.

12 passos para tratar a compulsão

A esperança dessas pessoas encontra-se em grupos como o DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos), formado por quem sofre da mesma compulsão, baseado no Programa de 12 Passos do AA (Alcoólicos Anônimos), adaptado para a dependência em amor e sexo.

Entrevistei “Rico” (nome fictício, já que o anonimato faz parte de todos os grupos de 12 passos e é um dos motivos de seu sucesso), um representante do DASA no Brasil, que esclareceu alguns pontos. O grupo acredita que a dependência de amor e sexo é uma doença progressiva que não pode ser curada, mas, como várias outras doenças, pode ser detida. Ela pode tomar várias formas – incluindo (sem limitar-se a) uma necessidade compulsiva por sexo; dependência extrema de uma pessoa (ou várias) e/ou preocupação crônica com romance, flerte ou fantasia. Existe um padrão obsessivo/compulsivo, seja sexual ou emocional (ou ambos) em relacionamentos ou atividades sexuais que progressivamente se tornam destrutivas para a carreira, a família e o senso de autorrespeito.

A dependência de amor e sexo leva a consequências cada vez piores se não for cuidada a tempo.

Antes de vir ao DASA, muitos dependentes de amor e sexo se consideravam párias sociais, pervertidos ou apenas fracos. Outros ainda sentem que só estão perseguindo o que é de seu direito. Eles se sentem com permissão de serem autocomplacentes. A teoria do DASA é que os dependentes de amor e sexo são pessoas doentes que podem se recuperar se seguirem um programa simples, que se mostrou válido para muitos homens e mulheres com a mesma doença. Qualquer pessoa que se identifique com o programa do DASA pode participar. O único requisito para ser membro é o desejo de parar de praticar um padrão de dependência de amor e sexo, contanto que seja maior de idade (acima de 18 anos).

Indagado sobre como uma pessoa pode saber se é dependente de amor e/ou sexo, “Rico” deixou claro que isso sempre parte de um autodiagnostico. “Só você pode dizer se tem essa dependência a nível físico, mental, emocional ou espiritual. Ir a várias reuniões vai lhe dizer se você se identifica com outros dependentes de amor e sexo. O folheto “Dependência de Amor e Sexo: 40 Perguntas para Autodiagnóstico” vai lhe ajudar a avaliar sua atividade sexual, comportamentos amorosos e envolvimentos emocionais. O folheto pode ser solicitado em uma de nossas reuniões presenciais ou em nossa página“, orienta.

O trabalho do DASA se baseia em cinco recursos básicos:

  1. Sobriedade: o desejo de parar de praticar nosso comportamento autodestrutivo de dependência numa base diária.
  2. Apadrinhamento / Reuniões: a capacidade de recorrer a um apoio acolhedor dentro do DASA
  3. Passos: a prática do programa de recuperação dos Doze Passos para alcançar a sobriedade sexual e emocional
  4. Serviço: a retribuição para a irmandade de D.A.S.A. do que continuamos a receber de graça
  5. Espiritualidade: o desenvolvimento de uma relação com um “poder superior” a nós mesmos, que pode nos guiar e apoiar na recuperação.

Confira abaixo os 12 Passos dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos. Vale reforçar que os tópicos foram reproduzidos na íntegra. Mas, dependendo de seu credo ou religião, a palavra “Deus” pode ser entendida como qualquer outro poder superior que faça parte de sua crença:

  1. Admitimos que éramos impotentes perante à Dependência de Amor e Sexo – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
  2. Viemos a acreditar que um “poder superior” a nós mesmos poderia devolver-nos a sanidade.
  3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que o concebíamos.
  4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
  5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
  6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
  7. Humildemente rogamos a Deus que nos livrasse de nossas imperfeições.
  8. Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
  9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.
  10. Continuamos a fazer o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
  11. Procuramos, através da prece e da Meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que o concebíamos, rogando apenas o conhecimento de sua vontade em relação à nós, e forças para realizar essa vontade.
  12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a esses passos, procuramos transmitir esta mensagem aos dependentes de amor e sexo e praticar estes princípios em todas as áreas de nossas vidas.

* Referência: DASA – Dependentes de Amor e Sexo Anônimos.

Meus sinceros agradecimentos a Rico e a todos os homens e mulheres que buscaram, encontraram e levaram às pessoas que sofrem com esse problema uma possibilidade real de tomar a vida nas próprias mãos.

Marcelo Guerra

Marcelo Guerra

Médico graduado pela UFRJ. Começou a carreira como Psicanalista e depois enveredou pela Homeopatia e Acupuntura. Ministra oficinas e palestras em todo o Brasil e atende em consultório no RJ.

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