Futebol, política e religião se discutem?
Debater ideias não significa julgar pessoas e opiniões
Por Celia Lima
Futebol, política e religião. Estes três temas costumam gerar polêmicas e discórdias. Mesmo que a gente insista em dizer que isso não se discute, estamos frequentemente trazendo esses temas em nossas conversas. Isso quer dizer que somos ávidos por dar nossos palpites, externalizar nossas ideias e nossas convicções, passar adiante nossa percepção com relação a temas que permeiam nosso dia a dia.
Mas por que os desentendimentos surgem? Grande parte das pessoas tem a impressão de que quando alguém discorda de seu ponto de vista, ela própria está sendo rejeitada.
Dificilmente as pessoas se dão conta de que se alguém discorda delas, é porque elas também estão discordando do outro e isso não tem nada a ver com gostar mais ou menos daquela pessoa, tem a ver com pontos de vista diferentes.
É certo que existem pessoas que se inflamam quando defendem suas ideias, colocam tanta paixão em seus discursos que há a impressão de que elas querem brigar. Algumas querem, de fato, convencer seu interlocutor de que sua opinião é a mais acertada e é aí que os ânimos se acirram e podem desembocar numa discussão mais acalorada ou, quando se trata de pessoas mais imaturas, pode acontecer de brigarem de verdade.
Futebol tende a estimular brincadeiras saudáveis
Entre amigos ou grupo de colegas, o futebol é a conversa mais amena. Normalmente as brincadeiras são muitas, um desqualifica o time do outro para na semana seguinte ser a vez do colega cujo time ganhou a partida brincar com a ineficiência do time do amigo. E as conversas se estendem, se aprofundam, fala-se de escalação de time, do técnico, da personalidade de jogadores, do juiz, do “apito amigo”, mas no fim das contas os encontros acabam num chope sem interferir na amizade. Dificilmente conhecemos um caso de amizade que se desfaz porque as pessoas torcem para times diferentes ou porque um concorda e o outro discorda da substituição que o técnico fez em campo. Casos extremos em que torcidas partem para a violência, geralmente dentro do estádio, não têm nada a ver com este tema, uma vez que a violência física está atrelada a um tipo de comportamento em desequilíbrio que nem tem a ver com o futebol em si, mas com outros fatores e motivações que não passam por conversar sobre o assunto.
Política: pessoas mais antenadas ou inflexíveis?
Para nossa sorte, hoje conversamos sobre política em todos os lugares. Isso mostra um povo mais antenado e consciente, que vem adquirindo uma visão mais macro de mundo. Saímos do silêncio da ditadura, passamos por uma fase de transição e com a democracia plenamente estabelecida estamos conquistando um nível de politização importante que nos faz cidadãos mais atuantes e participativos, antenados com os problemas do país. Mas o que temos visto nas redes sociais e em grupos de amigos são verdadeiros rachas de ideias e posicionamentos que têm culminado em brigas e até em rompimentos de amizade. Eis aí um bom exemplo da confusão que se instala entre discutir ideias e discutir pessoas. Ora, se não conseguimos silenciar porque o tema é sedutor, porque temos cada um nossas convicções e desejamos partilhá-las e chegamos à conclusão que política se discute também, como alcançar a serenidade num embate de ideias sem partir para ofensas ou sem desqualificar seu interlocutor?
Discutir religiões significa discutir sobre como cada um exerce sua fé
Se futebol e política são temas que podem produzir identificação, concordâncias ou discordâncias, união ou rompimentos, o tema religião está numa categoria mais delicada, pois independe de gosto, opinião ou ideologia, mas de crença. É algo muito mais subjetivo que mexe com questões não mensuráveis, não palpáveis, não visíveis. A escolha de uma religião dá-se pela fé, ou seja, por uma convicção que fala diretamente à alma, a crenças aprendidas e aceitas, ou como resultado de questionamentos profundos que independem da razão.
Como quase tudo na vida, a escolha de uma religião ocorre por conveniência. Não vamos entender aqui a palavra conveniência como oportunismo, mas como um conceito que vai ao encontro de nossos anseios e necessidades pessoais. Acreditar num único Deus ou em vários, por exemplo, atende a uma certa “lógica” que depende da cultura, do que faz sentido para cada um. Os indígenas, por exemplo, fazem sua conexão com o divino através do Deus trovão, do Deus sol e muitas culturas indígenas veem em cada animal um ser divino de quem emprestam os poderes para entrar em contato com suas próprias virtudes. Existem religiões que entendem Deus como uma entidade espiritual e outras que se utilizam de intercessores como santos ou orixás, cada qual com suas peculiaridades, para fazer esse movimento de “religare”, ou seja, unir novamente o homem a Deus.
Discutir religiões é discutir a forma pela qual cada um exerce sua fé. Isso não deixa de ser um exercício que busca novos olhares ou que busca entender como o outro compreende ou exercita sua fé. Muitas pessoas mudam de religião ao longo da vida porque pensaram a respeito, porque entenderam que a maneira de vivenciar seu universo espiritual deixou de fazer sentido num determinado momento e encontraram outra forma que lhe era mais conveniente ou convincente de compreender Deus e a vida espiritual. Mudam de religião porque se sentem mais confortáveis num novo sistema de crença.
Escolher não seguir os dogmas de uma religião não quer dizer necessariamente que não se possa viver a espiritualidade. Muitas pessoas acreditam em Deus ou têm sua forma particular de entender Deus sem que façam parte de um grupo religioso. Até mesmo o ateísmo é um caminho para se discutir Deus, por mais paradoxal que possa parecer.
Debates devem ocorrer sem julgamentos
Em todas as discussões polêmicas, o mais difícil é não julgar. Mas é na discussão de religião que repousa a maior dificuldade de aceitação dos diferentes exercícios de fé. Será que existe certo e errado? O que é certo para uns pode não ser para outros, o que é confortável e se acomoda bem nos gostos, ideais ou crenças de uns, pode ser o contrário para outros.
Bom seria se todos abríssemos mais nossas mentes e corações para aceitar as diferenças. É fácil conviver quando há identidade de opiniões, mas o verdadeiro exercício de civilidade, generosidade e aceitação reside na compreensão de que somos todos mestres uns dos outros. Não é preciso concordar com uma opinião diferente da sua, não é preciso abrir mão de suas convicções. Ouvir, refletir e analisar sem preconceitos permite discussões saudáveis e produtivas que promovem o crescimento, o amadurecimento e uma convivência mais harmoniosa nesta comunidade humana, tão carente de gentilezas e paz.
Assim, tudo se discute, até futebol, política e religião. Havendo respeito e consideração pelos pontos de vista diferentes, havendo a compreensão de que discordar de uma opinião não se trata de uma agressão pessoal, mas apenas uma forma diferente de pensar, muitas amizades serão preservadas e muito se pode aprender e trocar.
Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.
Saiba mais sobre mim- Contato: celiacalima@gmail.com