Perceba o medo mascarado na sua vida
Conhecer o que teme ajuda a superar este sentimento
Por Jô Furlan
“E agora?”. Inúmeras vezes em nossa vida nos defrontamos com essa pergunta. Situações das mais variadas origens nos remetem a esse mesmo questionamento. Mas será que isso é por acaso? Não mesmo. Afinal, essa dúvida vem de onde? O que ela significa? Chamo isso de checagem de procedimento. Mas essa pergunta pode ser ainda mais reveladora. Ela pode demonstrar medo oculto.
Outra pergunta reveladora é: “e se?”. O medo é uma das mais antigas e poderosas emoções dos seres vivos. Ele tem sua origem no sistema límbico, na parte “mais antiga” do cérebro, a qual chamamos de cérebro reptiliano. Para entender melhor, imagine que nosso cérebro é uma tartaruga (cérebro reptiliano, primitivo), que tem um cavalo sobre ela (córtex cerebral – cérebro dos mamíferos). E sobre esse cavalo existe um homem (neocortex – cérebro mais moderno).
Essa evolução fez com que o ser humano saísse das cavernas e dominasse os meios que lhe permitiram habitar todo o planeta, independente das condições climáticas. O fogo, a roda, a agricultura e assim por diante, foram determinantes para isso. Então, evolutivamente compartilhamos a emoção do medo com inúmeras espécies animais.
Se, para lá do que pensamos ou dizemos, no fundo de nós mesmos valorizamos mais o poder do que o amor, aquilo que preside a tudo o que fazemos é o medo. Basicamente o medo de falhar, de não corresponder às expectativas dos outros, e de nós próprios sobre o nosso desempenho, de perder, de ficar para trás, de não ser devidamente reconhecido.
O medo é uma grande ferramenta de autopreservação. Na pré-história e ainda hoje. O que acontece com certa frequência é que essa preservação pode ser interpretada de forma diferente. Você consegue imaginar um cachorro pensando assim: “não vou latir agora porque meu dono vai ficar triste ou aborrecido comigo”? Ele não “pensa” assim. Tem um velho ditado na roça: “cachorro picado por cobra tem medo de linguiça”. Isso o animal aprendeu da forma mais difícil. E pode ter certeza, ele vai hesitar muito até acreditar que aquela linguiça caída no chão não oferece perigo à sua sobrevivência.
O ser humano passa por processos semelhantes. Tente explicar para uma criança entre 1 a 4 anos que uma cobra é perigosa e pode até matar. Se ela sobreviver a um acidente desse tipo, passará por um processo de aprendizado semelhante ao do cachorro. Quanto mais desenvolvemos o conhecimento e o discernimento, mais podemos ter a consciência dos riscos de estar perto de uma cobra.
Medo oculto: ótima chance para treinar a coragem
Mas, afinal de contas, pra que serve esse pequena aula sobre a evolução do cérebro? Para que você perceba que não é errado ter medo. Esse sentimento é natural e biológico. Mas durante nossa vida acabamos por desenvolver medos infundados ou mesmo improdutivos. Por exemplo, muita gente sente medo de falar em público. Nesses casos, a pessoa pensa que será julgada, avaliada e exposta perante os outros. E de acordo com sua performance, poderá ser aplaudida ou vaiada, virando motivo de elogios ou chacotas. E, realmente, isso pode colocar medo em qualquer um.
No entanto, desde jovem eu falo em público. Filho de professora, é claro que na ausência de voluntários na sala de aula, eu era “voluntariado” para ler minha lição. Acabei gostando. Depois foram debates. Politica estudantil. Inúmeras aulas, palestras, cursos e treinamentos. E apesar de toda essa experiência de décadas, ainda hoje sinto um friozinho na barriga quando preciso falar para muita gente. Mas isso faz com que eu sempre busque o melhor de mim e me dedique ao máximo. O medo existe, afinal só o tolo não tem medo. O que faz toda a diferença é o que o medo faz com você.
O medo existe, afinal só o tolo não tem medo. O que faz toda a diferença é o que o medo faz com você.
Ele pode cumprir sua função natural e fazer com que tome cuidado, busque melhores estratégias com o menor risco possível, se aprimore e se desenvolva para que esteja mais capacitado a superar certas situações. Ou o sentimento pode congelar você, ter um efeito paralisador. Esse é o pior resultado. Lembre-se sempre das perguntas iniciais: “e agora?” e “e se?”. Enquanto alguns vão em direção da solução, buscando a superação, outros ficam paralisados, quase em choque, simplesmente com a possiblidade de que certas coisas aconteçam.
Mas é só tornando-nos conscientes de nossos medos que poderemos desenvolver a coragem necessária para enfrentar os desafios da vida. Alimentar pensamentos do tipo “nunca vou conseguir aquilo que pretendo” ou “gostaria de poder fazer isso, mas é impossível”, nos prejudicam e diminuem a nossa autoestima. Para modificar esse quadro interior e começar a ter mais controle sobre nossas atitudes é necessário uma autoavaliação. Pense onde você está e aonde você quer chegar. Agora, pergunte o que lhe impede de alcançar seus objetivos. Se dentre as razões você identificar sinais de medo, reveja os seus valores e avalie as possibilidades de crescimento pessoal que tal situação oferecerá. A vitória contra os nossos medos começa nos nossos pensamentos e na nossa confiança interna.
Lembre-se que tanto o herói quanto o covarde tem medo. O que muda é como eles reagem ao sentimento. O herói age, tornando-se senhor de seus sentimentos e sintoniza a coragem como emoção dominante para ser capaz de agir. Já o covarde fica congelado, paralisado e inerte. Uma sensação poderosa de incapacidade invade sua mente, travando seu corpo, que acaba se retraindo, e ele se esconde.
O mais fascinante é que podemos treinar a coragem. Esse processo começa com a escolha de fazermos parte da solução e não do problema, assumindo que somos responsáveis pelas nossas escolhas. Então, não se preocupe se o medo surgir! Faça dele um grande aliado, verifique as estratégias, se aprimore, se supere e veja como realmente será capaz de controlar seus medos e transformar sua vida.
Médico, professor e pesquisador na área de Neurociência do Comportamento. Autor do livro Inteligência do Sucesso : A nova inteligência que explica a ciência do sucesso.
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