Peter Pan: conto aborda medo de compromisso e amadurecimento
Herói é retratado como infantil, exibicionista, convencido e inconstante
O famoso conto Peter Pan foi criado por James Matthew Barrie enquanto contava histórias aos filhos da sua amiga Sylvia Llewelyn Davies. Inicialmente, Peter foi idealizado para o teatro, no entanto, apareceu primeiramente em um livro em 1902, chamado “The Little White Bird”. A obra é uma versão ficcional da relação de Barrie com as crianças de Sylvia Davies e que, posteriormente, foi adaptada ao teatro. Em 1911, Barrie fez outra adaptação da história que chamou de “Peter e Wendy”, mas que normalmente é conhecia simplesmente por Peter Pan.
A história trata de um pequeno rapaz, chamado Peter Pan, que se recusa a crescer e que vive em busca de aventuras mágicas. Ele é representado como um menino adorável vestido de folhas e coberto de seiva das árvores, que toca flauta e ainda tem dentes de leite.
A história trata de um pequeno rapaz, chamado Peter Pan, que se recusa a crescer e que vive em busca de aventuras mágicas. Ele é representado como um menino adorável vestido de folhas e coberto de seiva das árvores, que toca flauta e ainda tem dentes de leite.
A menina Wendy e seus dois irmãos, que moram em Londres, recebem a visita de Pan todas as noites. A princípio ele aparece em sonhos para as crianças. Contudo, a mãe dos pequenos – que já conhece Peter de sua própria infância – percebe algo de errado e passa a dormir com os filhos.
Em uma noite em que precisa se ausentar com o marido, acontece então a tragédia, e as crianças vão embora com Pan para a Terra do Nunca. No livro, o autor menciona que a partir dos dois anos a criança percebe que irá crescer. Na psicologia analítica, por volta dessa idade a criança começa a ter noção do “eu”, ou seja, ela começa a perceber que é um ser separado da mãe e do pai. É nessa fase que seu ego começa a se formar e se estabelecer como indivíduo.
O medo e a angústia de crescer
Então, já de início percebemos que o tema central de Peter Pan gira em torno da descoberta infantil de que não será criança para sempre e a angústia e o medo gerados por esse entendimento. O ego, na psicologia analítica, é o que nos dá a noção do “eu”, daquilo que somos, desejamos e sentimos. E ele possui uma base somática, ou seja, possui um aspecto de identificação com o corpo. Por essa razão, quando nos damos conta de que somos um sujeito, passamos a ter o sentido de finitude, e isso é bastante assustador.
No livro não é mencionada a idade de Wendy, mas pela narrativa nota-se que a menina está saindo da fase infantil e entrando na puberdade. Pois ela começa a se interessar por Peter com desejo amoroso e lhe pede um beijo, o que sinaliza que está entrando na fase do encontro com o outro. Além disso, Wendy também começa a desejar ser mãe e formar sua família. E é aí que reside a força do conflito e da angústia da criança.
Wendy é a heroína da história e sua angústia se manifesta na fuga da realidade, que ocorre com a ida à Terra do Nunca. Lá Wendy fantasia que formou uma família. É tudo apenas uma brincadeira na qual ela não precisa se comprometer.
De acordo com a psicoterapeuta analítica alemã Marie-Louise Von Franz, Peter Pan se aproxima do arquétipo que Carl Jung denominou de Puer Aeternus, ou seja, a eterna criança.
De acordo com a psicoterapeuta analítica alemã Marie-Louise Von Franz, Peter Pan se aproxima do arquétipo que Carl Jung denominou de Puer Aeternus, ou seja, a eterna criança.
Puer Aeternus também é o nome de um Deus da antiguidade. Ele era o Deus-criança nos mistérios eleusinianos, chamado Iaco. Posteriormente, foi identificado com Dionísio e com o Deus Eros. Esse é um Deus da vida, da morte e da ressurreição – o da juventude divina.
Pan, após seu confronto com o Capitão Gancho, é questionado pelo pirata sobre quem ele é. E o menino responde: “Eu sou a juventude, sou a alegria, sou um passarinho que acabou de sair do ovo”. Confirmando que se trata de uma imagem arquetípica do Puer Aeternus.
Peter Pan representa comportamento infantil de alguns homens
Em termos individuais, Peter Pan indica certo tipo de homem que se comporta a vida toda como adolescente, com atitudes que seriam absolutamente normais para os jovens, mas que não condizem mais com a vida adulta.
Peter Pan não tinha mãe e não sentia a menor vontade de ter. Achava que se dava a elas um valor exagerado. No entanto, ele se liga a Wendy e a leva para a Terra do Nunca na pretensão de transformar a menina em sua mãe e dos meninos perdidos.
Isso mostra que o homem identificado com esse complexo só se relaciona com uma mulher no intuito de buscar uma substituta da mãe. Ele não quer uma companheira, mas alguém que cuide dele com amor maternal, pois procura uma mãe-deusa. E cada vez que se apaixona por alguém, logo descobre que ela é um ser humano comum e assim se frustra buscando essa mãe em outra mulher.
Pan tem uma relação ambígua com a figura materna: apesar de desprezá-la, ele deseja muito ter uma. Na verdade, o que ele despreza é o aspecto da Mãe Terrível, que nos contos aparece como a figura da bruxa. A Mãe Terrível é extremamente necessária para o desenvolvimento da personalidade e para o processo de individuação, uma vez que ela é quem nos impulsiona para a independência e para a saída do paraíso materno. Nos contos de fadas, ela faz isso perseguindo ou expulsando de casa o herói ou a heroína.
O fato de voar mostra que Peter quer se afastar ao máximo da Terra e de seu dia a dia. Por isso, é comum os homens identificados com esse arquétipo buscarem esportes como alpinismo e aviação, simbolizando a separação da mãe, isto é, da Terra com sua vida.
O fato de voar mostra que Peter quer se afastar ao máximo da Terra e de seu dia a dia. Por isso, é comum os homens identificados com esse arquétipo buscarem esportes como alpinismo e aviação, simbolizando a separação da mãe, isto é, da Terra com sua vida.
Pan é extremamente sedutor e carismático, pois tem o charme da juventude e, portanto mostra nosso lado sedutor, mas que não quer enfrentar a realidade e assumir responsabilidades. Quantas vezes não nos pegamos sonhando em nos livrar dos deveres? Quantas vezes não sonhamos em voltar a sermos crianças livres e descompromissadas?
Esse nosso lado pode ser extremamente estimulante e nos levar a situações não convencionais, nos tirando da rotina. Entretanto, devemos tomar cuidado em intercalar as nossas vidas com responsabilidade e compromisso, uma vez que dar vazão somente ao lado infantil de nossa personalidade pode nos levar à alienação e consequências trágicas.
Capitão Gancho representa aspectos sombrios de Peter
O vilão também não tem mãe e, assim como o menino, deseja uma. Ele persegue a juventude de Pan, pois é o seu oposto: velho, ranzinza e desesperado pelo poder. Por isso tenta impedir a renovação. Assim como Cronos, na Mitologia Grega, o Capitão Gancho tenta impedir o crescimento de uma nova vida, pois a criança também simboliza isso.
Assim como Cronos, na Mitologia Grega, o Capitão Gancho tenta impedir o crescimento de uma nova vida, pois a criança também simboliza isso.
O autor diz que quando as crianças morriam, Peter Pan as acompanhava durante um pedaço do caminho, para que não tivessem medo. Ou seja, ele também é um guia de almas. E esse pode ser um caminho para o desenvolvimento do Puer Aeternus.
O homem com esse complexo pode desenvolver os aspectos de Hermes, Deus grego que simboliza o guia das almas. O Puer, ao assumir um compromisso com um trabalho criativo e não convencional, pode ajudá-lo a se assemelhar a esse Deus, símbolo da inteligência e da astúcia, tornando-se um guia para aqueles que têm medo de atravessar a trajetória de suas vidas.
Wendy levanta reflexão: quando é hora de amadurecer?
Wendy é levada à Terra do Nunca e lá passa a morar em uma casa subterrânea, dentro da terra (que representa a mãe de forma simbólica), na qual passa a cozinhar, costurar, limpar e arrumar. Ela e os meninos também moram dentro de árvores, que na psicologia analítica simboliza a vida humana, o desenvolvimento e o processo interior de formação da consciência no ser humano.
A psicoterapeuta Von Franz aponta que quando o ser humano é suspenso em uma árvore é porque costuma se evadir, tentando se libertar e agir livre e conscientemente, e por isso ele é dolorosamente arrastado de volta ao seu processo interior. Como o Puer Aeternus, muitos jovens, em determinado momento de suas vidas, têm que resolver seu complexo materno e perceber que o curso da vida não permite a permanência eterna nesse estado; ele tem que morrer.
Nesse caso, a presença de Wendy – que pode simbolizar a anima (lado feminino do homem), que faz o chamado para a individuação e o desenvolvimento da personalidade – traz a esses meninos a oportunidade de saírem de seu complexo materno. Por isso ela os chama para irem embora consigo. Eles aceitam o convite, vão com ela, crescem e passam a viver uma vida normal. Mas, infelizmente, uma parte de Wendy ainda fica presa na infantilidade, pois Peter se recusa a ir com ela.
Do ponto de vista de Wendy, pode-se afirmar que ela simboliza a mulher que possui um animus (lado masculino da mulher) ainda em estado infantilizado. No conto, o pai de Wendy é apresentado como um homem cujas emoções não foram diferenciadas. Ele é trabalhador, mas não consegue ganhar dinheiro suficiente para a família e vive sendo tomado por sua anima e se enchendo de humores inconstantes. Ele é quase uma criança mimada em termos de emoções. E essa experiência com o pai pessoal molda a relação de Wendy com seu animus e os homens.
Mas Wendy cresce e forma uma família. No entanto, uma parte de seu animus ainda permanece preso na infância. Assim, o conto termina com sua filha e sua neta repetindo sua jornada à Terra do Nunca. Ou seja, o problema foi apenas parcialmente resolvido e Peter permanece em seu estado de eterno menino.
Bibliografia:
- JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. Ed. Petrópolis: Vozes, 2008. / Símbolos da Transformação. Vozes. Petrópolis: 1986. / O eu e o inconsciente. 21 ed.Vozes. Petrópolis: 2008.
- STEIN. M. Jung, O Mapa da Alma. 2 ed. São Paulo: Cultrix 2000.
- VON FRANZ, M. L. Puer Aeternus – A luta do adulto contra o paraíso da infância. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005. / A sombra e o mal nos contos de fada. Paulus. São Paulo: 2002.
- Wikipedia – acessado em 23/07/2015
Para continuar refletindo sobre o tema
É analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ.
Saiba mais sobre mim- Contato: hellenmourao@gmail.com
- Site: http://www.cafecomjung.com