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Como ficam as relações familiares na pandemia e quarentena

Conviver não é uma tarefa fácil em condições normais, em tempos de pandemia muitas questões estão vindo à tona.

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Conviver a maior parte do tempo juntos, ocupando o mesmo espaço, com a impossibilidade de arejar, de mudar de cenário, de descansar uns dos outros ou mesmo de descansar juntos da rotina individual ficou muito difícil com a pandemia.

No dia a dia em que as pessoas da casa saem para seus trabalhos, para a escola, para cursos ou lazer e que estarem juntos nos fins de semana ou feriados era normalmente um prazer, nos dias de hoje pode não ser bem assim. Por quê?

Porque estar juntos praticamente as 24 horas do dia, todos os dias, faz com que todos se enxerguem mais de perto. Tudo o que incomoda no outro, aliado à obrigatoriedade da convivência, passa a ser estresseante.

Na verdade, nem se tinha tanta noção do quanto certas manias, o jeito de dizer certas coisas e a própria rotina estabelecida compulsoriamente ficariam insuportáveis, em alguns casos, e curiosas em outros casos.

Pais e filhos: novos desafios

Os filhos menores demandam mais cuidado braçal além, é claro, dos cuidados emocionais. As crianças que tinham as escolas para socializar e gastar energia estão dependendo dos pais para criar um ambiente lúdico o suficiente que ocupe e desenvolva seus pequenos.

E são inúmeras as demandas: refeições, banho, higiene, brincadeiras, separar irmãos que frequentemente brigam. Encontrar o equilíbrio entre as horas em frente da TV, ou em joguinhos de celular, e os jogos saudáveis de encaixar, montar e outros que incentivem a criatividade ou movimentem o corpo parece quase um sonho intangível.

De outro lado, filhos adolescentes que grudam no computador, nos jogos eletrônicos e fazem questão de uma solidão quase patológica com o intuito de realmente não participarem de nada.

Não querem ouvir brigas, não querem almoçar à mesa, não querem conversar nem participar da vida desta família que passou a existir numa outra dimensão, com mais força e presença e também com mais cobranças, seja para dividir as tarefas de casa, seja para fazer parte dessa vida esmagadoramente em comum.

Claro que estou dando um exemplo que toca mais a classe média, considerando que os pais continuam tendo seus trabalhos, agora em casa, e os filhos continuam frequentando as aulas, agora virtuais.

Estou falando de uma camada privilegiada da população, aquela que não perdeu renda e que pode fazer compras online preservando ao menos sua saúde física.

Dentro desse nicho, os desdobramentos no sentido de equipar a casa para as necessidades individuais – como adquirir mais um ou dois computadores, por exemplo – a esta altura já foram sanados.

Temos o outro lado que representa a maioria da sociedade em que a rotina pouco mudou porque precisam sair para seus postos de trabalho e, no pior cenário, dos que perderam seus trabalhos e tiveram que se reinventar para dar conta da sobrevivência.

Fato é que, em todos os casos, os pontos de tensão cresceram. Conviver não é uma tarefa fácil em condições normais, mas quando se enfrenta esse cenário inusitado, para muitos a tarefa se tornou hercúlea.

E os casais? O que vem acontecendo nessas relações durante a pandemia?

Será que estar perto demais, ao invés de fortalecer o romantismo e resgatar o desejo ou talvez a saudade de fazer tudo junto se tornou um pesadelo?

As relações que estavam abaladas por debaixo do tapete começaram a revelar suas dificuldades. Sequer os protagonistas tinham noção de que algo não ia bem já que a distância da convivência diária “colaborava” para que os incômodos fossem deixados pra lá.

No pouco tempo que sobrava, quando se encontravam à noite ou nos fins de semana, ninguém queria mexer no vespeiro. E assim, aquela conversa necessária sobre divisão de tarefas domésticas, sobre o sexo insatisfatório, sobre os cuidados com os filhos, iam ficando pra outra hora, sem que se dessem conta de que existia um desconforto crescente que explodia em discussão de tempos em tempos, mas o diálogo mais profundo e assertivo nunca ocorria.

Com a falta de alternativa, não é mais possível ignorar que muita coisa incomoda

Essa situação exige maturidade suficiente para ser conversada. Não discutida, mas conversada. É uma oportunidade ímpar para treinar o diálogo, aquele que se evitou tanto tempo porque a relação se dava só na superfície.

Quem é essa pessoa com quem me uni? Eu nunca tinha reparado que ela era tão intolerante! Que não tinha a menor paciência com as crianças, que chegava a ser agressiva comigo e com os filhos.

Quem é essa pessoa que passa tanto tempo no celular e não se dá conta de que não está sozinha? Que não se importa com a divisão de tarefas e que se mostra irresponsável com relação aos protocolos na pandemia? Quem é essa pessoa que grita à menor contrariedade e não respeita a opinião dos demais?

Pois é… essa pessoa que agora vemos tão de perto não é a que você pensou que conhecesse tão bem. Então se está diante de um reconhecimento do outro. E mais: um reconhecimento de si mesmo. Quem sou eu, que me julgava tão paciente? Tão compreensiva(o)? Tão forte e agora me sinto desmoronando e sem argumentos?

Quem é, afinal, esse casal que não se deu conta do tempo que passou e das transformações individuais que ocorreram e que agora não tem mais por onde escapar?

Pois bem, essa pode ser a difícil oportunidade de falar sobre o que incomoda, o que pode desembocar numa bifurcação de ações contraditórias: ou ambos fazem um pacto gentil de sinceridade e passam a ajustar os pontos críticos da relação, ou, ainda dentro desse pacto gentil, compreendem que se tornaram pessoas diferentes demais uma da outra para dar continuidade à relação.

Existe ainda uma terceira via, que é suportar o convívio massacrante e continuar fazendo de conta que nada está acontecendo o que, convenhamos, é por demais exaustivo e, a longo prazo, inútil. Mais cedo ou mais tarde o tempo cobra ou um posicionamento ou tudo acaba desembocando em problemas físicos, somatizados ao longo dessa jornada “fake”.

Muitos casais, assim que passaram a essa convivência mais intensa, em pouco tempo acabaram se separando. São relações que já estavam finalizadas precisando apenas de mais um motivo para que a separação se concretizasse.

Todavia, outros tantos casais se reencontraram sinceramente. Redescobriram o quanto estão satisfeitos com a relação, reforçaram os laços de amor e amizade, ajustaram alguns ponteiros, se abriram mais para um diálogo mais profundo e produtivo, reencontraram com seu lado divertido e encontraram maneiras criativas para passar por esse período tenso da história mundial.

Essa pandemia não tem nada de romântica. Todos querem voltar a encontrar amigos, querem retomar uma rotina mais saudável em todos os sentidos.

Em alguma instância, todos têm medo de adoecer. Uns negam tudo, outros se protegem. Uns aproveitam o fato de que a vida está chamando para uma revisão das relações mais íntimas, outros fogem de si mesmos e das oportunidades de reorganizar a vida.

Quem é você nesse cenário?

Celia Lima

Celia Lima

Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.

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