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Repensando o luto na pandemia e nossa relação com a morte

A necessidade de evitar aglomerações trouxe a impossibilidade de elaborarmos o luto na pandemia de maneira tradicional. Como isso afeta nossa saúde mental?

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Enquanto escrevo este texto, atravessamos o segundo ano de pandemia, e o Brasil se aproxima de 500 mil mortes. O campo da saúde mental, em meio a tantas notícias negativas, vem lidando diariamente com os impactos emocionais desse cenário. Um dos efeitos mais visíveis disso é a onipresença dos processos de luto na pandemia. Ouvi de uma cliente essa semana: “minha timeline do Facebook virou um velório eterno.”

Luto e sofrimento emocional

O luto causa sofrimento por uma variedade de razões: uma das mais importantes é a perda de vínculo afetivo ou social relevante. Afinal, os laços que estabelecemos ao longo da vida são singulares e insubstituíveis.

A perda de uma pessoa importante é sentida como especialmente dolorosa, em função de características do nosso corpo e nosso cérebro. É comum ouvir que somos “animais sociais”. O que isso significa?

Nossa herança genética é especialmente moldada por essa condição. O homo sapiens é um tipo de primata, assim como os chimpanzés e os gorilas. Diferente de animais como os grandes felinos, não éramos capazes de sobreviver sozinhos em um pedaço de floresta.

Dependíamos do nosso bando para caçar e para nos proteger de predadores. E essa dependência ficou fortemente gravada em nossos genes. Nosso corpo e nossa mente foram ajustados para considerar o pertencimento a um grupo social como a prioridade máxima da vida, o verdadeiro fator que separa a morte da sobrevivência.

E é com esse mesmo corpo e mente que chegamos das cavernas para a civilização. Do ponto de vista evolutivo, essa mudança aconteceu num piscar de olhos. Como os humanos que viviam em cavernas, sentimos na perda de vínculos importantes uma ameaça direta à nossa segurança e sobrevivência. Para nosso cérebro, “eu não posso viver sem você” não é uma metáfora: é uma realidade.

A importância dos ritos de despedida

Cada cultura tem um modo de homenagear seus mortos – mas os ritos funerais estão presentes em todas elas. No Brasil, esses ritos incluem o velório, momento em que familiares e amigos se reúnem para a despedida.

Mas não é só isso: o velório também é o momento de renovação de laços. Familiares que não se viam há tempos se reencontram; amigos se solidarizam, se abraçam, lamentam juntos. O ritual se mantém como prática cultural importante, entre outras coisas, porque, nessa renovação de afetivos/sociais, permitem contrabalançar a dor da perda. Acalmam nossos corações ao assegurar a permanência de nossos vínculos de pertencimento.

O luto na pandemia

A pandemia trouxe, além da presença constante da dor da morte, a impossibilidade de conduzirmos nossos ritos funerários da maneira tradicional. Sem poder aglomerar e com a necessidade de distanciamento social, os processos de luto na pandemia têm sido ainda mais dolorosos do que o normal.

Como lidar com o luto na pandemia?

Para quem está vivenciando esse processo, alguns cuidados com a saúde mental são muito importantes:

  • Acolha seu luto. Não é hora de tentar ser forte. O luto é um processo muito doloroso pelos fatores mostrados acima, e isso é verdade para qualquer pessoa. Se dê o direito de chorar, de se afastar alguns dias do trabalho, de expressar a sua perda;

  • Não se isole. Por mais que a tristeza nos dê vontade de ficar quietos e sozinhos, esse não é um bom momento para isso. Na medida do possível, se acerque de pessoas que estejam sentindo o mesmo que você. Reforce os laços sociais aos quais você está tendo acesso.

  • Tire partido das redes sociais. Não podemos nos despedir da maneira tradicional, mas ainda podemos homenagear os nossos mortos. Use as redes sociais para isso, e também para reforçar outros laços nesse contexto.

  • Reflita sobre sua perda. Laços afetivos são únicos e singulares. Qual era o papel que essa pessoa ocupava em sua vida? Como a perda dela te afeta? O luto, em última análise, é um processo que permite nossa adaptação a essa mudança que ocorreu. Então, se permita pensar sobre como esse evento altera sua vida, e o que você precisaria fazer para se ajustar a isso.

  • Aceite sua perda. O luto pode ser um processo ambíguo, pois ao mesmo tempo em que sentimos a necessidade de nos adaptar ao que houve, sentimos que fazer essa adaptação “consolida” a perda. Saiba que essa ambiguidade é normal, mas que a perda é real e irreversível com ou sem sua adaptação. Honre seu ente querido reaprendendo a viver em nome dele.

Mais sobre luto

A autora desse artigo publicou o livro Sobre o Luto: entendendo melhor o processo que faz a morte servir à vida. Em linguagem acessível, a obra  ajuda aqueles que estão se sentindo perdidos, desorientados, sem saber como prosseguir frente à morte de um ente querido. Contém dicas práticas, tanto para quem está de luto, quanto para quem está convivendo com um ente querido que está passando por isso. Disponível em ebook (leitura gratuita para os assinantes do Kindle unlimited) e em versão impressa no site da editora Uiclap.

 

Tatiana Perecin

Tatiana Perecin

Psicóloga pela UFSCar, especialista em Psicologia Clínica / Análise do Comportamento. Trabalha com terapias contextuais, que são referência na intervenção psicológica baseada em evidências científicas de eficácia. Tem mais de 10 anos de atuação em consultório, atendendo adultos em casais em sofrimento emocional, e também casos severos.

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