Dá para deixar a culpa de lado?
Dicas para lidar com cobranças internas por ficar longe dos filhos
Por Celia Lima
A vida é feita de escolhas que, por sua vez, são frutos de necessidades ou desejos. Não é possível ter todas as coisas ao mesmo tempo, mas é possível vivenciá-las uma por vez, com entrega genuína, se soubermos praticar a dedicação. Quando estamos fazendo algo pensando em outra coisa não existe dedicação. Dessa forma, dificilmente sentimos aquela tarefa como plenamente realizada, fica sempre a sensação de que “eu poderia ter feito melhor”. A culpa é a grande vilã na consciência de todos nós. Mas, em relação às mulheres, as culpas que dizem respeito ao seu desempenho como mães são verdadeiros fantasmas.
Em primeiro lugar, creio que seja necessário desmistificar a questão da maternidade. A mulher não se torna deusa nem santa porque teve um filho. Não adquire poderes especiais, não passa a ter força redobrada, seu tempo não se multiplica. O que ocorre é que nossa cultura cultua a maternidade de forma tal, que exige das mães resultados perto do impossível de serem atingidos. A obrigação de sermos seres irrepreensíveis é que nos remete à culpa, e essa é uma cobrança interna… e eterna.
Ora, se até as mães que se dedicam integralmente aos filhos são assaltadas pelo abominável sentimento de culpa, mais recorrente ainda são as que se veem divididas entre a vida profissional e a deliciosa tarefa da maternidade. Cada fase da vida de um filho exige diferentes cuidados. Mas a realidade se impõe e as mães não têm todo o tempo disponível e tampouco estão emocionalmente prontas para lidar com todas as situações..
Ao colocar seus bebês no berçário, na “escolinha” ou deixá-los com babás ou avós porque precisam trabalhar, o primeiro pensamento que vem à mente das mães é: “Coitadinho… vai ficar longe, vai estranhar…”, e imediatamente se culpam. Pior ainda que a culpa, é o medo de que seu bebê passe a amar mais a “tia” ou a avó, ou que esqueça a mamãe porque vai passar o dia longe dela.
Imaginar que as crianças não estejam preparadas para lidar com a ausência física de suas mães é subestimar a capacidade delas de adaptação. É preciso compreender que os vínculos de afeto entre mãe e filho se estabelecem quase que instantaneamente. O instinto de proteção da mãe e de sobrevivência do filho logo que o bebê nasce é um dos fatores que estimula o afeto, o amor maternal e filial e este dificilmente se perderá. Minha experiência profissional me mostrou que o que verdadeiramente importa é que a criança se sinta amada, respeitada, reconhecida. Que conheça limites saudáveis para sua boa formação. O que vale é que essas mães se envolvam, se interessem, busquem o contato físico, conversem, brinquem com os filhos – tudo com o pensamento no momento presente.
Não existe uma cartilha a ser seguida e de nada adianta fazer uma lista de atividades para ser “ticada” no final do dia se o envolvimento emocional não acontecer. O maior equívoco que muitas mães cometem é imaginar que podem compensar sua ausência física sendo permissivas demais, ou seja, quando estão com os filhos “tudo pode”. Elas pensam: “Já fico o dia todo fora e quando estamos juntos vou negar o que ele pede?” Ou criam o hábito de levar pequenos presentes ou doces ao voltar para casa, imaginando assim que estão se redimindo junto aos filhos e se livrando da culpa pela ausência. O que elas não percebem é que estão criando um código de afeto falso. A criança não reconhece como afeto, mas usará como arma quando lhe for conveniente: “Você não trouxe o doce? Então não gosta de mim…”. É um condicionamento inútil, que só serve para comprar a consciência da mãe. Isso não quer dizer que não se possa presentear fora de hora, mas fazer disso uma regra tem consequências negativas no futuro.
Não é preciso haver conflito entre carreira e maternidade, é possível ser mãe e profissional desde que as mulheres aceitem com prazer e consciência sua realidade. Fazer sempre o seu melhor em cada momento e com dedicação tem um efeito tranquilizador.
Para refletir:
- Seu filho é um indivíduo, separado de você, que reconhece em você a fonte de afeto necessário para o desenvolvimento seguro dele.
- Colocar limites nas crianças é colaborar para sua formação. Permitir tudo sem limites afasta a criança da realidade do mundo, onde ele vai ouvir muitos “nãos”.
- Afeto não se barganha e não é substituível por presentes.
- Não confunda “preocupação” com “controle”. 90% das coisas com as quais nos preocupamos não passam de desejo de controlar. Portanto, quando estiver trabalhando, confie nas instruções que deu a seu filho e esqueça o telefone.
- Quando estiver com seu filho, entregue-se. Interesse-se por seu dia, ouça com atenção o que ele tem a lhe dizer, confira a agenda da escola, enfim, dedique seu melhor quando estiverem juntos.
- Seu filho precisa ter vida própria, desatrelado de você. Estar atento é uma coisa, ficar “grudado” é outra.
Se a culpa atormentar você, apenas se pergunte:
- Estou fazendo meu melhor?
- Minha realidade permite que eu faça de outra forma?
- Meu filho está suprido no que eu entendo por amor e atenção?
Não esqueça que por mais que façamos, sempre fazemos o melhor sob o nosso ponto de vista. Nem sempre o nosso melhor é o melhor para os filhos. Mas não temos como saber e eles também não, pois terão essa percepção só depois de adultos. Com isso quero dizer que a clássica pergunta “Onde foi que eu errei?” não faz o menor sentido. Não há erro, mas diferenças de perspectivas. Muita conversa pode ir ajustando a relação de vocês com o passar do tempo.
Não há culpa em:
- Querer realizar-se profissionalmente.
- Precisar trabalhar para complementar a renda da família ou mesmo para sustentá-la.
- Levar a vida com leveza, de acordo com o que lhe é possível realizar.
- Colocar limites saudáveis em seu filho, isso é amor.
- Não poder oferecer tudo o que ele quer. Ofereça sua dedicação enquanto estão juntos.
- Ter alguém de confiança com quem você possa deixá-lo enquanto trabalha ou mandá-lo para a escolinha, isso apenas faz parte da realidade de vocês.
- Não ter o pai presente. Você não pode se responsabilizar por escolhas que não são suas.
- Querer se divertir sem a companhia dele. Você também tem vida própria e deve confiar em seu bom senso.
Psicoterapeuta holística com abordagem junguiana há mais de 30 anos e pós graduanda em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela PUC-PR. Utiliza os florais, entre outras ferramentas como método de apoio ao processo terapêutico, como vivências xamânicas, buscando um pilar metafísico para uma compreensão mais ampla da vida, da saúde física e emocional.
Saiba mais sobre mim- Contato: celiacalima@gmail.com