Viciados em sexo: do prazer à obsessão
Entenda distúrbio que torna pessoas dependentes do próprio desejo
Por Antonieta Mazon
O filme Shame (2011), dirigido pelo famoso Steve McQueen, traz à tona um assunto polêmico em sexualidade: a compulsão sexual ou, como é mais popularmente conhecido, o vício em sexo. Trata-se de um distúrbio capaz de prejudicar a pessoa em diversas dimensões, como na profissão, na vida familiar e afetiva e no meio social em que convive.
Produções cinematográficas anteriores já abordaram o tema, porém com tramas enfeitadas de certa dose de fantasia erótica e, por vezes, até sugerindo que envolvimentos sedutores podem fugir do controle e provocar acontecimentos mais trágicos do que se pode imaginar. Shame, por sua vez, aproxima-se mais da realidade, pois além de chamar a atenção para o problema, insinua que se trata de um desvio e, portanto, merece cuidado terapêutico.
Longe das imagens eróticas e das fantasias, estamos falando aqui de uma síndrome sexual com sérias implicações para o sujeito, decorrentes de um comportamento compulsivo, o qual é tido como um transtorno necessário de ser tratado como um distúrbio psicopatológico.
Escravos do desejo
Portadores dessa anomalia apresentam, espontânea e constantemente, elevados níveis de desejo, com fantasias sexualmente excitantes, impetuosas e recorrentes. Isso os impede de controlar seus impulsos sexuais e, mais que isso, o sexo acaba por comandar seus hábitos. Tornam-se, assim, escravos do próprio desejo e passam a viver em função de sua atividade sexual.
Em geral, trata-se de um distúrbio presente em indivíduos que não apresentam qualquer evidência de disfunções sexuais, tais como a ejaculação precoce e a disfunção erétil, no caso dos homens, ou anorgasmia (ausência de orgasmo) e transtorno de excitação, entre as mulheres. No entanto, essas pessoas podem ser consideradas potencialmente sujeitas a contraírem doenças sexualmente transmissíveis, dada a alta rotatividade em relação ao número de parceiros que usualmente passam a ter e, muito provavelmente, com mais promiscuidade.
Por desenvolverem um alto grau de ansiedade – o que pode gerar Transtorno de Ansiedade aliado à compulsão sexual – e uma excessiva inquietação em busca de possibilidades que possam propiciar sua atividade sexual, as pessoas compulsivas sexuais direcionam seus sentimentos e pensamentos quase que exclusivamente para esta dimensão. Com isso, prejudicam desde suas atividades cotidianas mais simples até seus relacionamentos sociais e afetivos, envolvendo a infidelidade com os parceiros e a perda de amizades, experimentando, assim, a sensação de vergonha e culpa.
É muito difícil medir o desejo sexual humano, mas poderíamos dizer que ele varia numa escala extrema, que vai desde onde ele praticamente não existe – que corresponde ao Transtorno de Aversão Sexual – até o oposto, em que o desejo é absoluto e incontrolável, situação denominada de Desejo Sexual Hiperativo (DSH) ou Hipersexualidade. Neste caso, em geral se desencadeia a obsessão sexual, determinada por um aumento considerável da frequência na atividade sexual, com compulsividade ao ato e à sua consumação. Em mulheres, o Desejo Sexual Hiperativo também é conhecido como Ninfomania e entre os homens, denomina-se Satiríase.
Como saber se sofro de compulsão sexual?
A sexualidade humana expressa e realiza o ser integral de cada pessoa. Faz parte das experiências do cotidiano como fonte de prazer, realização emocional e estruturação da nossa identidade. É muito influenciada pelos aspectos socioculturais e cada indivíduo é tocado em sua particularidade, pelo meio em que vive. Uma vez que os valores sociais das culturas são dinâmicos, as condutas sexuais se alteram constantemente. Assim, não é tão fácil mensurar um padrão de normalidade para a atividade sexual. Podemos, portanto, estar apenas diante de uma questão de saúde, ética ou meramente íntima de cada indivíduo.
Segundo determinações em psicopatologia, a compulsão sexual pode ser entendida como distúrbio ou patologia, quando causa sofrimento emocional para a pessoa, com prejuízos consideráveis na dimensão relacional, afetiva e familiar. Ou seja, o limite pode ser percebido quando a pessoa começa a machucar a si mesma e ao outro.
O indivíduo se ocupa da masturbação compulsivamente ou do ato sexual – que em algumas vezes pode ser pela prostituição – quase que integralmente, apesar de estar diante da possibilidade de perder suas relações amorosas. Quando tenta controlar o impulso sexual intenso, a pessoa experimenta uma grande tensão e ansiedade, que a faz retornar à atividade sexual, com posterior estado depressivo.
Além disso, este estado patológico também pode causar danos à profissão e prejuízo financeiro, devido aos gastos extras decorrentes da necessidade da expressão sexual a qualquer custo. Gastos estes que incluem, muitas vezes, o uso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas, as quais estão relacionadas à necessidade de desinibição do comportamento. Quase sempre o objetivo é intensificar o prazer ou abrandar a vergonha e a culpa, que são comuns nestes casos.
Descubra as causas da compulsão sexual
Alguns autores afirmam que uma das possibilidades, em termos fisiológicos, para a causa desta anomalia está ligada a alterações no equilíbrio dos neurotransmissores relacionados à atividade sexual. Pessoas com lesões nos lobos cerebrais temporais podem desenvolver a hipersexualidade, cujas alterações caracterizam a Síndrome de Kluver-Bucy.
Outros especialistas, porém, explicam a compulsão sexual como uma dependência ao sexo. Isto é, um problema de adição ou vício, muito próximo do uso de álcool e drogas, como a cocaína, por exemplo.
Segundo a Psicanálise, o desejo é o que movimenta o homem. No entanto, especialmente os desejos sexuais, estão sempre em conflito, seja com convenções sociais, com a própria realidade ou, ainda, simplesmente por existirem. Freud afirmava que tais desejos são fundamentais à saúde, mesmo que nunca satisfeitos totalmente. O ser humano deseja o que não tem ou aquilo que perdeu, e esses desejos não satisfeitos e reprimidos podem gerar angústia e ansiedade, ou serem causas de expressões sexuais surpreendentes e até perturbadoras, a ponto de culminar no comportamento compulsivo.
Há, ainda, teorias psicológicas que afirmam ser um transtorno de adaptação comportamental, baseado no fato de que o ato repetitivo em busca de prazer – feito por meio do sexo – está ligado à aprendizagem de algo que proporciona tranquilidade. Para essa corrente de pensamento, o sexo funciona como uma espécie de droga sintética, capaz de diminuir sentimentos de medo, solidão e ansiedade. Neste caso, ocorre uma hiperestimulação do processo natural decorrente da atividade sexual, que é entendido pelo cérebro como uma recompensa prazerosa.
Percebemos, então, que o conjunto de sintomas apresentados pelo Desejo Sexual Hiperativo pode, na verdade, representar transtornos diferentes, de acordo com a história de vida do paciente, devendo cada qual ser tratado de forma distinta, conforme sua possível causa.
Problema fisiológico, adição ou transtorno, o fato é que o comportamento sexual compulsivo – que pode ser decorrente de diferentes patologias – tem graves consequências como:
- Perda do autocontrole
- Sofrimento subjetivo profundo
- Incapacidade de adaptação psicossocial
Por esse motivo, o distúrbio deve, como dissemos, ser tratado de modo particular e distinto, conforme sua possível causa, a partir de um criterioso diagnóstico, vastamente pesquisado e explorado pelo terapeuta. Isto significa que esse processo anômalo pode ser controlado e até revertido, na medida em que for devidamente cuidado e acompanhado por especialistas em saúde sexual humana.
Para continuar refletindo sobre o tema
Química, pedagoga, mestre em Educação, pós-graduada em Sexualidade e Psicologia, e orientadora sexual. Faz palestras e escreve artigos sobre educação, família e sexualidade.
Saiba mais sobre mim- Contato: abmazon@terra.com.br